São Paulo, quinta-feira, 2 de maio de 1996
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Olha quem está falando

CRISTINA MARIA BRITES

No artigo "Sobre as drogas e a Aids" (Folha, 27/03, pág. 3-2), o dr. Vicente Amato Neto coloca-se, mais uma vez, contra a implantação de serviços voltados à redução de danos à saúde para usuários de drogas injetáveis (UDIs), que têm por objetivo, além da educação aos problemas do uso de drogas, prevenir a disseminação do HIV.
Sua oposição está sustentada na argumentação de que, nos países onde os programas de troca de agulhas e seringas foram implantados com sucesso, a droga injetada é a heroína e que a implantação de ações de redução de danos para UDIs sejam pautadas em conclusões científicas.
Esses argumentos remontam ao tempo em que a prevalência de casos de Aids no Brasil entre UDIs, mulheres e crianças era baixa, momento em que setores da saúde e da sociedade civil apontavam para a necessidade de implantar ações preventivas voltadas especificamente para UDIs e avaliar resultados em estudos comparativos.
Agora esse senhor volta a público reafirmando sua posição. Faz parte de suas alegações que, nos países em que a troca de seringas e agulhas obteve sucesso, os índices de prevalência do HIV entre UDIs era relativamente baixo e que tomar o uso de drogas sob a ótica da saúde é reduzi-lo, por ser expressão de questão social mais ampla, o que significa, na sua visão, autoritarismo médico.
Vale perguntar ao dr. Amato: 1) autoritarismo médico não é justamente opor-se, por questões morais, às estratégias de redução de danos e assistir, durante esses anos, ao aumento da prevalência do HIV entre UDIs e alegar que nada pode ser feito?; 2) ou ainda, distorcer uma informação de que uma das experiências internacionais citada por este senhor refere-se à prática de uso endovenoso da mesma droga utilizada no Brasil, ou seja, a cocaína, como é o caso da cidade de Toronto (Canadá)?
3) Autoritarismo médico não é considerar a pandemia da Aids como questão de saúde pública exclusivamente quando os contaminados mobilizam compaixão, ou seja, mulheres e crianças?; 4) autoritarismo não é considerar direitos somente aos que ocupam legitimidade política econômica?
Não dá para deixar de observar quem é que está falando de novo. Enquanto fazem reformulações moralistas, as taxas de soroprevalência crescem assustadoramente entre UDIs, mulheres e crianças.

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