São Paulo, quinta-feira, 2 de maio de 1996
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A VELHA NOVA BELÍNDIA

Já se tornou um lugar-comum afirmar que o Brasil é uma Belíndia, uma curiosa e perversa síntese sociogeográfica em que convivem duas populações tão distintas como a da próspera Bélgica e a da miserável Índia.
O fato de a expressão Belíndia, como qualquer outro lugar-comum ou chavão, estar desgastada pelo tempo e já não mais impressionar ou causar indignação não a torna em absoluto menos verdadeira e cruel.
Evidentemente, são muito poucos os países que se podem gabar de contar com um sistema de distribuição de renda relativamente equitativo que garanta a todos pelo menos a sobrevivência digna, com direito a gozar de todas as condições que a própria Constituição brasileira determina que sejam alcançadas pelos rendimentos do salário mínimo.
Daí, entretanto, aos contrastes que se observam no Brasil, vai uma distância enorme, acintosa mesmo. Enquanto políticos e aposentados reclamavam anteontem dos baixíssimos índices de reajustes concedidos ao mínimo e às aposentadorias e pensões, esta Folha constatava que num dos redutos das elites paulistanas, o Morumbi Shopping, o valor do salário mínimo nada mais é que uma longínqua e difusa abstração.
Dos oito entrevistados pela reportagem do jornal, todos haviam gasto, em poucos minutos ou horas, valores superiores ao novo mínimo. Houve até mesmo o caso de duas jovens irmãs que, em apenas três horas, desembolsaram R$ 1.000, mais ou menos o que o trabalhador de baixa renda leva nove meses para obter.
Ninguém é ingênuo a ponto de crer que o Brasil vai tornar-se, da noite para o dia, um país escandinavo em termos de distribuição de renda. O fato é que, apesar dos incontestes ganhos para as camadas mais pobres obtidos com o controle da inflação, ainda há muito a ser feito. E rapidamente. Quem se está sacrificando é o principal ativo deste país, a grande maioria de sua própria população.

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