São Paulo, sexta-feira, 3 de maio de 1996
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Ceci, de "O Guarani", foi "esterilizada"

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

Enquanto a Europa se destruía na Primeira Guerra Mundial, um copista da Casa Ricordi chamado Luigi Garani se encarregava de destroçar a partitura original de Carlos Gomes para "O Guarani".
O maestro Silvio Barbato, 36, o segundo brasileiro a ter recebido o prêmio de Alta Composição do Conservatório Giuseppi Verdi de Milão (o primeiro, um século antes, fôra Carlos Gomes), está há dez anos refazendo o que Luigi Garani desfez de 1914 a 1919.
O resultado será visto em dois formatos: a partir de novembro na Ópera de Washington, onde "O Guarani" será encenado como concebido pela primeira vez, e em 1997, quando Barbato defender sua tese de doutoramento na Universidade de Chicago.
Em entrevista exclusiva à Folha, por telefone, Barbato disse que até o tema conhecido de quase todos os brasileiros como prefixo do programa "Voz do Brasil" foi "corrompido": primeiro, porque Gomes o havia composto para metais, clarinetes e oboés e ele ficou restrito a metais; segundo, porque, no sexto compasso, um dó sustenido foi substituído por um ré.
"Aquele dó sustenido criava uma harmonia muito brasileira e sua substituição estandardizou o prelúdio da ópera de acordo com os padrões estéticos vigentes na Itália no início do século", diz.
Não foi só o copista da Ricordi quem buliu com "O Guarani", segundo Barbato. A censura italiana também alterou o libretto. "Era a primeira vez na história da ópera que uma branca se apaixonava por um índio. Para a censura, foi demais e ela esterilizou o personagem de Ceci". Por exemplo, quando Ceci se descrevia como "sutil de formas e branca de rosto", a censura trocou por "gentil de coração e alegre no rosto".
Barbato diz que seu trabalho arqueológico tem dois padrinhos diplomatas. Um, ele nem conheceu, o então embaixador do Brasil em Roma Pedro Morais de Barros que em 1946 conseguiu fazer com que a Casa Ricordi doasse todas as partituras de "O Guarani" ao Brasil.
O outro é o atual embaixador em Washington, Paulo Tarso Flecha de Lima, que no dia da abertura da Copa do Mundo de Futebol em 1994, em Chicago, o surpreendeu com um convite para um café-da-manhã, no qual o único tema foi o trabalho de reconstituição.

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