São Paulo, sexta-feira, 3 de maio de 1996
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Perigos da floresta

JORGE WILHEIM

Em 1976, surge no Zaire a primeira epidemia mortífera causada pelo vírus identificado com o nome de Ébola. Em 1991, a partir da caverna de Kitum, no Quênia, surge outra epidemia igualmente violenta, cujo vírus foi denominado Marburg. Em 1994, na floresta de Tai, na Costa do Marfim, surge uma nova linhagem do Ébola, por alguns também identificado como Marburg. Em 1995, novo surto epidêmico causado pelo Ébola, no sudoeste do Zaire.
Em todos esses casos, os efeitos físicos da degradação do corpo atacado são impressionantes, e a morte advém em poucos dias, sendo a contaminação frequente. Em todas essas epidemias, o surto foi tão rápido quanto a sua interrupção. E, sempre, supôs-se que sua origem tenha sido causada pelo contato entre seres humanos e macacos ou outros animais, num ecossistema de floresta.
Um vírus, ensinam-nos especialistas, é um ser vivo, por vezes extremamente simples, uma estrutura genética revestida por tênue capa de proteína; seu instinto de vida leva-o a agarrar-se a qualquer outra estrutura disponível, parasitando-a, dela se alimentando a fim de sobreviver e procriar sua espécie.
Essas dramáticas ocorrências constituem um alerta a mais para os países, os governos, além dos indivíduos, que penetram em ecossistemas não antes penetrados pela espécie humana, com a finalidade de expandir a ocupação econômica. Países que ainda possuem uma fronteira agrícola a expandir, como é o caso do Brasil, têm, portanto, um problema a mais a considerar.
Embora a costumeira proteção divina tenha poupado nosso país de vírus tão devastador, nossa floresta, seja a mata atlântica, seja a amazônica, constitui um ecossistema rico em biodiversidade, um tesouro recôndito e malconhecido, não-isento de surpresas, boas e más, para quem nelas se aventurar.
Razão a mais para que se elaborem e detalhem políticas adequadas e cautelosas para a preservação, assim como para o uso econômico das franjas pioneiras ainda existentes no Brasil.
Em um país em que vilarejos surgem às dezenas, na ânsia de ocupar as faixas pioneiras, nunca se formulou uma política urbana específica nem uma política nacional que inclua aspectos tão diversos quanto as tecnologias de desmatamento, a preservação aliada ao uso cauteloso, os aspectos sanitários e a relação com as espécies vegetais e animais a que pertence o ecossistema natural da fronteira que pretendemos agrícola.
No processo preparatório da Conferência de Istambul (Turquia), os países africanos insistem em que se discutam os problemas dos assentamentos rurais, não limitando o debate ao futuro das cidades.
Embora, ao fazer esse pleito, eles estejam geralmente pensando no crédito para serviços básicos ligados à habitação rural, justo seria aprofundar os conhecimentos e chegar a alguma conclusão a respeito do fenômeno da urbanização nesses peculiares territórios em que a agricultura e a urbanização se defrontam com a floresta, sede de seres vivos de todo tamanho, cujo contato com seres humanos pode ser fatal, às vezes para eles, às vezes para nós.

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