São Paulo, segunda-feira, 6 de maio de 1996
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Criminalista quer 'pena de pobreza'

ABNOR GONDIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Os corruptos devem ser condenados à pobreza e não à prisão. A opinião é do criminólogo Edmundo Oliveira, 44, um dos maiores especialistas em Direito Penal do país, pós-doutorado na Universidade de Paris e presidente do Conselho Nacional de Política Penitenciária do governo Itamar Franco.
"A pior pena para o corrupto é a pobreza", disse, na semana passada, ao retornar ao Brasil, após estudar na Universidade de Miami, por oito meses, penas alternativas usadas nos cinco continentes.
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Folha - De que trata sua tese?
Edmundo Oliveira - A tese busca uma visão de como está a tendência das alternativas de prisão no mundo. Há alternativas simples, como a proibição de residência: uma pessoa é proibida de morar em certo bairro porque praticou um crime ou pode ser proibida de sair do bairro onde mora.
Folha - Qual a diferença entre uma prisão do Primeiro Mundo e uma prisão no Brasil?
Oliveira - Na Europa e nos EUA, constata-se que as prisões são higiênicas, bem-conservadas. É obrigatório haver lugar para o estudo e para o trabalho a fim de que o preso não viva ocioso.
Folha - Por que no Brasil não é possível a ressocialização de um criminoso?
Oliveira - Desde que Pedro Álvares Cabral chegou por aqui, o Brasil vive o tormento de um sistema penitenciário caótico, e as prisões são universidades do crime.
Desde o início do século, a Europa deixou de discutir prisão e passou a estudar alternativas. Estamos atrasados cem anos.
Folha - Quais são essas soluções?
Oliveira - A tese busca dar mais poderes para o juiz criminal no sentido de que ele faça tudo para evitar o encarceramento.
Folha - Poderia citar exemplos?
Oliveira - A França adota uma moderna punição ao proibir em determinados casos que a pessoa possa usar cartões de crédito ou cheque. Nos EUA, há monitoramento eletrônico.
Folha - O que é isso?
Oliveira - Um bracelete é acoplado ao braço do infrator. Ele pode optar por colocar no tornozelo ou num cordão. O bracelete tem um transmissor acoplado ao telefone da casa do transgressor.
Isso serve para crimes médios e brandos, pessoas que não praticam crimes hediondos. Os EUA estão aplicando esse tipo de pena inclusive para punir a corrupção.
Folha - Prisão deve ser aplicada para quem?
Oliveira - Para aquelas cuja periculosidade os impeça de permanecer no convívio social.
O que mais dói, no meu entender, para um criminoso rico, é torná-lo pobre. Que pague todos os débitos com a Justiça, indenizando com correção monetária e juros o que ele surrupiou da nação.
Iria doer mais do que mandar essas pessoas para a prisão, passar três, quatro, cinco anos. Temos de distinguir a violência do convívio social de outros crimes.
A violência do convívio social é a que atemoriza as pessoas, o estuprador, o traficante, aquele que não sabe se comportar e precisa de encarceramento. A prisão tem que ser restrita a casos necessários.
Folha - E a corrupção?
Oliveira - A corrupção é um dos crimes mais comuns no Brasil. Há dois anos, quando publiquei um livro sobre corrupção, o Brasil tinha 0,32% de pessoas condenadas por corrupção.
Gente de classe média pra baixo, que não estava presa e nem deve ficar presa se não apresentam periculosidade.
Temos de aplicar para eles as penas alternativas, incidindo basicamente sobre o seu patrimônio. Lamentável no Brasil é que a grande pena do rico, do corrupto, do criminoso do colarinho branco, é pagar caro um bom advogado.
Mas não adianta também ele passar cinco anos na cadeia e continuar rico. Os corruptos tinham que voltar a ser pobres.

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