São Paulo, segunda-feira, 6 de maio de 1996
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Bergman une corpo e alma sete vezes

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

A Cinemateca Brasileira e a Folha promovem, de hoje até 12 de maio, o ciclo "Sete Vezes Bergman". São sete filmes do cineasta sueco Ingmar Bergman, que passarão na Sala Cinemateca (r. Fradique Coutinho, 361, tel. 011/881-6542, Pinheiros, zona oeste).
Hoje também será realizado um debate sobre "Cenas de um Casamento" (leia texto nesta página).
Este filme de 1973 é o "gancho" do ciclo, em vista da estréia da peça teatral em São Paulo, prevista para o dia 30 de maio, na Sala São Luiz.
O cineasta, nascido em 1918, originalmente concebeu a história como uma série para a TV sueca, escreveu o roteiro do filme e posteriormente adaptou-o para teatro.
O teatro é, no mais, uma das paixões de Bergman, e sua influência será perceptível em outros trabalhos.
O ciclo se completa com outros seis filmes, que dão idéia da produção do diretor nos anos 60 e 70. O mais antigo -e um dos mais significativos- é "O Silêncio", de 1963. O mais recente, "Da Vida das Marionetes" (1980).
Evolução
Esses anos servem para balizar uma evolução de seu pensamento. Em "O Silêncio", estamos em pleno território do cristianismo nórdico (Bergman vem de uma família luterana): austero, despojado, essencial.
A preocupação com Deus não se faz imediatamente presente, mas a palavra "alma", escrita em um bilhete, no final do filme, dá conta da preocupação bergmaniana: a dupla existência humana, terrena e divina, o corpo e a alma -vista pela vida em comum de duas irmãs.
O filme teve problemas com a censura da época, por conta de uma cena de masturbação. Hoje, o importante nele é a maneira como Bergman apreende a realidade e a relaciona a idéias abstratas.
Os filmes dos anos 70 em diante são marcados por uma evolução barroca do estilo, que acompanha o uso da cor. E também pela angustiada descrença em Deus (e na existência após a morte).
Entramos em territórios que desde sempre frequentaram o cinema bergmaniano. Mas agora sua preocupação com as relações conjugais e familiares ou a sexualidade evoluem para o desespero.
Essa é a tônica de "Sonata de Outono" (1978, sobre relações mãe e filha), de "Cenas de um Casamento" (1973), de "Face a Face" (1975, sobre casamento, solidão, estupro, suicídio), "O Ovo da Serpente" (1978, em que estão envolvidos nazismo, morte, suicídio), "Gritos e Sussurros" (1972, a agonia de uma doente terminal, a morte).
A temática recorrente ajuda a deixar clara a principal característica de Bergman: a capacidade de mostrar o mundo material cruamente, ao mesmo tempo em que o articula à existência espiritual.
Mesmo quando duvida de Deus, é essa articulação entre corpo e alma que está na base da beleza dos filmes que serão vistos neste ciclo.
Talvez sirvam como comprovação desse empenho os magníficos desempenhos de atrizes como Liv Ullman, Bibi Anderson, Gunnel Lindblon, Ingrid Thulin, Ingrid Bergman.
Não por acaso, o corpo feminino e sua sexualidade, são assuntos centrais no cinema do sueco. No entanto, ele os trata de forma sublimada: mesmo se a fé entra em crise, a beleza continua um atributo da alma.

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