São Paulo, quarta-feira, 8 de maio de 1996
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Grupo de católicos defende o aborto

DANIELA FALCÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A norte-americana Frances Kissling, 52, que chega amanhã ao Brasil para discutir a saúde da mulher, não vê nenhuma contradição entre a luta pela legalização do aborto e a prática católica.
Desde 1984, Kissling, que quase virou freira, preside a CFFC (Catholics For a Free Choice), organização de mulheres católicas que lutam pela legalização do aborto.
Elas também reivindicam a revisão das posições do Vaticano sobre o uso de métodos contraceptivos e a entrada de mulheres na hierarquia da igreja.
Kissling vai participar de reunião do comitê organizador do Simpósio sobre Saúde da Mulher, que acontece em dezembro no Rio.
"Minha missão no mundo é atormentar a vida do papa", disse ela, em entrevista por telefone.
A CFFC surgiu nos EUA em 1973. Na América Latina, há escritórios no México, Uruguai e, desde 93, no Brasil (São Paulo). Leia a seguir trechos da entrevista que Kissling concedeu ontem à Folha.
*
Folha - Como o CFFC é visto pelo Vaticano?
Frances Kissling - O papa e os bispos não gostam que os católicos discordem publicamente do Vaticano. O papa é muito autoritário. Os dirigentes da igreja não respeitam a visão de católicos comuns, principalmente de mulheres.
Folha - Que argumentos usam para convencer a igreja?
Kissling - Nós não pedimos para que a Igreja Católica ache o aborto uma coisa boa. O aborto é horrível, mas em alguns casos é necessário. Embora condene as guerras, o Vaticano as aceita em circunstâncias especiais porque confia no discernimento dos homens. A proibição do aborto em qualquer hipótese é prova da falta de confiança na mulher.
Folha - É verdade que a senhora quis ser freira?
Kissling - Aos 19 anos entrei no convento, mas vi que não tinha vocação. Minha missão no mundo é atormentar a vida do papa.
Folha - Sua posição atual não é muito radical para quem quase chegou a ser freira?
Kissling - A doutrina católica incentiva que sejamos corajosos e lutemos contra a injustiça -inclusive as da própria igreja.
Folha - O relacionamento entre o CFFC e os católicos leigos é bom?
Kissling - Excelente. Nós os ajudamos a se libertar da culpa. A maioria não segue à risca o Vaticano. Seria impossível. O Vaticano precisa deixar de ser hipócrita. Se todas as mulheres que usam contraceptivos deixassem de ir à igreja, as missas ficariam vazias.
Folha - É grande o número de católicas que fazem abortos?
Kissling - Há estatísticas mundiais comprovando que o número é igual ao de não-católicas.
Folha - O que acha da onda conservadora que ameaça conquistas como a legalização do aborto?
Kissling - Sempre que há recessão econômica, como aconteceu nos EUA, a população passa por ondas de conservadorismo. A igreja poderia ter aproveitado para ganhar adeptos. O problema é o papa (João Paulo 2º), que se recusa a dialogar. Quanto à pressão para tornar o aborto ilegal nos EUA, não acredito que surta efeito.
Folha - Você defende a abertura da hierarquia da igreja à mulher?
Kissling - Claro! Não há nada que impeça mulheres de celebrar missas, virar bispos ou papisas.
Folha - E quanto à proibição do uso de contraceptivos e do casamento de padres?
Kissling - Se os padres casassem e tivessem filhos para sustentar, garanto que passariam a apoiar o uso de métodos contraceptivos.

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