São Paulo, sexta-feira, 10 de maio de 1996
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É dando que se recebe

ROSELI MARTINS COELHO

o PT não "abandonou a rejeição inicial às instituições da democracia representativa" pela "ética da responsabilidade": deixou-se cooptar pelo exercício tradicional da política -o jogo do "é dando que se recebe"-, como se pode constatar facilmente pela leitura de jornais e até de pesquisas científicas, como a de Gonçaves Couto, apesar de impregnadas de ciência política de orientação americana produzida nos dois lados do Atlântico.
Da mesma forma, não deixou de ser "um partido revolucionário", que passava por cima das regras instituicionais pela simples razão de ter sempre sido um partido legal-institucioal, desde a campanha de filiação de 1980 realizada (com mão-de-obra militante), para atender à exigência emanada da ditadura militar e não de governo eleito, mas nem por isso descumprida. Trata-se sim de um partido "movimentista", mas que compôs seu perfil popular e radical com a atuação eleitoral, jamais boicotando os processos eleitorais ou negando-se a reconhecer os resultados das apurações, apenas ocasionalmente questionado a lisura destas.
Assim, a "dissidência" petista (salvo escapadelas isoladas) podia ser estabelecida em relação à prática hegemônica da troca de favores e cargos, e não em relação à ordem vigente. Já que a democracia política -erigida em grande solução de todos os problemas- comporta o dissenso, sob o risco de não ser democracia, seria de se supor que a (antiga) atuação petista fosse reconhecida na sua particularidade e não estigmatizada como "irresponsável".
É bom esclarecer que o teor de minha avaliação do livro de Gonçalves Couto em nada está relacionado com a sua passagem pela Escola de Sociologia e Política, período de contatos eventuais pautados pela cordialidade acadêmica. Não afirmei, na resenha, que o livro deveria conter a história do PT, e sim, que o leitor interessado especificamente no processo de formação do partido faria melhor indo direto àqueles livros que tratam principalmente desse assunto (citados por Gonçalves Couto ao final capítulo "o Modelo Originário do Partido dos Trabalhadores"). Expressões como "busca racional", "custos e benefícios", "posição contestadora", entre outras utilizadas na resenha com as devidas aspas, são de Gonçalves Couto ou dos autores adotados por ele. É o grupo dos que acreditam na saudável negociação executivo-legislativo, e são os convidados informais da comemoração organizada pelos protagonistas dos shows de governabilidade -codinome do "é dando que se recebe"- para celebrar a aquisição de tão importante parceiro.
Ninguém detém o monopólio da preferência pelas soluções pacíficas: dos monarquistas do Labour Party e do PSOE aos republicanos do PFL e da suprapartidária bancada ruralista, todos, em tese, condenam o uso da violência.

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