São Paulo, sexta-feira, 10 de maio de 1996
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'Penso nos que se esgotam com a revolta'

MARCELO REZENDE
DA REDAÇÃO

"O personagem não sou eu, ainda que seja parte de mim." O professor Jean-Claude Bernardet, 60, aguarda, de forma ansiosa, que seu romance "A Doença, Uma Experiência" ultrapasse os limites da surpresa e do escândalo.
Nas 68 páginas do livro, que será lançado no dia 16 pela Companhia das Letras, Bernardet faz uma descrição do cotidiano de um escritor e cineasta que assiste à evolução do vírus da Aids em seu corpo.
"O fato de eu estar doente, ser soropositivo, não significa uma aceitação", Bernardet disse na última quarta-feira em entrevista à Folha, em seu pequeno escritório na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Leia abaixo trechos da entrevista.
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Folha - Seu último romance parece oscilar entre o ficcional e o confessional. O sr. espera do leitor uma separação entre esses gêneros?
Jean-Claude Bernardet - Confessional certamente não, porque não sou católico. Mas certamente uma obra na fronteira entre o relato e a ficção. O que me marca é a ficção biográfica, que se aproveita de vivências pessoais para elaborar a literatura. Um trabalho que me fez correr riscos.
Folha - Quais riscos?
Bernardet - Os riscos comuns, de rejeição ou preconceito com um doente de Aids. E também os riscos de estar me expondo muito intimamente em público. Apesar de que não acho que seja bem assim. Não escrevo memórias.
Folha - No livro seu personagem parece aceitar o fato da doença.
Bernardet - Não sei se a palavra aceitação seria a mais adequada, porque ele continua a viver e a querer viver. Penso muito nas pessoas que se esgotam em atitudes de revolta contra a doença. Pessoas que ficam totalmente imobilizadas e acabam se paralisando, se tornando obcecadas com o que consideram ser uma injustiça. Acho que assim se deixam dominar.
Folha - O sr. nega essa paralisia?
Bernardet - Acho que o fato de estar com uma doença mortal, a não ser que esteja fisicamente dominado pela doença, é antes estimulante. Eu não sinto nenhuma pena de mim. Não lamento essa minha situação. Não é que eu conviva com isso, mas se meu personagem é estimulado fazendo sua arte, acontece o mesmo para mim.

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