São Paulo, sexta-feira, 10 de maio de 1996
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O que eles querem?

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Leio, nas colunas dedicadas ao dia-a-dia do governo, que há perplexidade nas altas esferas a respeito do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. O espanto não é pelos dois massacres já registrados nos últimos tempos, nem pelas chacinas que estão anunciadas. O estupor é que ninguém, no Planalto, compreende "o que o MST realmente deseja" (cito textualmente uma das colunas).
Os paralelepípedos da rua Lins de Vasconcelos (rua em que nasci) estão carecas de saber o que MST deseja e exige. As cabeças coroadas de Brasília, poluídas pelo poder, ficam pasmas: afinal, por que não mandar o ministro da articulação política saber quais são os cargos, as viagens e comissões que os sem-terra estão pedindo?
Para o governo, qualquer reclamação, qualquer crítica, qualquer contestação tem um único motivo e uma única solução: um cargo, uma autarquia, uma estatal. Se da parte do presidente há generosa boa vontade para negociar e administrar os descontentamentos da nação, por que diabo o MST não diz logo o que deseja, o ministério, a embaixada, a comissão no exterior? O "Diário Oficial" está aí para isso mesmo.
Daí se pode concluir que todo o debate sobre reforma agrária está mais uma vez desorientado. Para efeito externo, os homens do governo fingem que vão aprofundar os estudos e incrementar as medidas. Por baixo do pano, mandam emissários credenciados saber "o que o MST realmente quer". Não passa pela cabeça de ninguém que eles desejam realmente um pedaço de terra para morar, plantar e viver.
O presidente se declara disposto a negociar, a ouvir "os reclamos", a fazer justiça. Mas na cabeça dele instalou-se cruel estupefação: "O que essa gente afinal deseja que eu não dou? Olha o PFL, o Sarney, o Maluf, eu sei o que eles querem e tenho a caneta para nomear". A deformação do governo chegou a esse ponto.

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