São Paulo, sábado, 11 de maio de 1996
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O poder liberado

JANIO DE FREITAS

As revelações do fisiologismo no Ministério da Previdência -de nomeações em quantidade e sem qualidade, sempre para altos cargos, até a mudança das regras de cobrança de débitos para beneficiar deputado- geraram o falatório sobre o afastamento de Reinhold Stephanes, mas não foram as causas verdadeiras da irritação de Fernando Henrique e seus assessores com o ministro. Nem podiam ser.
Já exaltado e insultuoso com o repórter Sylvio Costa, que apenas pretendia ouvi-lo sobre os seus atos que o "Correio Braziliense" revelaria, Stephanes acabou se perdendo de vez e fazendo a sua própria revelação (ele tem mesmo contribuído muito com o jornalismo). Foi cômico até, no seguimento da longa peroração sobre suas nomeações: ..."trago da Bahia quem é bom, trago de Campinas quem é bom"...
Repórter: "Traz de Mato Grosso um superintendente que tem nove processos na Justiça contra ele e que sofre uma ação de execução fiscal pelo INSS".
Stephanes baqueou. Quando? Quem é? Mato Grosso do Norte? Já estava até inventando Estado quando o repórter perguntou a quem se devia a nomeação. Você, que sabe quem é Stephanes, diz depressa o que ele fez? É isso mesmo, chutou a responsabilidade para outro: "Quem indica é o presidente do INSS. Ele deve estar no lugar errado".
A informação do repórter, que faz muito sentido, era de indicação do senador Júlio Campos. E aí deu-se a catástrofe:
Stephanes: "Até pode ser, pode ser. Nisso eu não vou entrar. Se você levantou isso, que ele tem nove processos, então aí nós temos que ir ao Eduardo Jorge, que é quem libera".
Libera -que destino o desse verbo já marcante de grandiosidades históricas, e agora significando, no governo da intelectualidade sociológica, a ordem para nomeação ou outro favorecimento, no esquema subornante do é-dando-que-se-recebe. E Eduardo Jorge, quem é esse que "libera" para uma superintendência do INSS um sujeito com nove processos na Justiça? É o ilustre peessedebista que tem o cargo de secretário da Presidência de Fernando Henrique Cardoso.
Stephanes começou a entregar, foi até o fim: "Nós não nomeamos ninguém que não seja liberado pelo Palácio", o do Planalto, claro.
Repórter: "Mas a ficha desse senhor não é levantada?".
Stephanes: "É levantada pelo Palácio. (...) Por esse eu não respondo".
A superintendente de Alagoas foi indicada por um parlamentar sob acusação de estelionato e "liberada" pela Presidência. E vai por aí a moralização do serviço público e da política realizada pelo governo modernizador.
Não podia mesmo o fisiologismo no Ministério da Previdência irritar o presidente e seus imediatos. Mas a contribuição de Stephanes, entregando o principal executivo palaciano do fisiologismo, virou a central de intriga contra ele. O falatório do afastamento foi propagado para levar Stephanes à situação de constrangimento que, em geral, acaba naquela história de pôr o cargo à disposição.
E então a Presidência "liberaria" mais um nome com ficha aprovada à maneira da casa.

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