São Paulo, domingo, 12 de maio de 1996
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Maria, 65, quer casar com 'marido' do filho

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Homossexualismo já foi um tabu muito grande na casa da costureira paranaense Maria da Conceição Müller dos Reis, 65. Ela chegou a dar leite de égua para o filho mais novo, quando ele era adolescente, na tentativa de "curá-lo".
Hoje, o professor Toni Reis, 31, tem total apoio da mãe na relação que mantém com o inglês David Harrad, 38. Conceição gosta tanto de David que está disposta a se casar com o "genro" para garantir o visto de residência dele no Brasil.
"Eles se gostam muito e, para mim, são um casal como outro qualquer", diz a costureira, que foi apresentada ao companheiro de Toni há quase cinco anos. "Estou disposta a tudo para impedir que o David tenha de deixar o país."
David conheceu Toni em 1990, na Inglaterra, e se mudou com ele para Curitiba em 1991 -desde então, costumava sair do país a cada seis meses, para renovar o visto de turista. Em 1994, deixou de fazê-lo e passou a viver como clandestino.
Agora, a Polícia Federal quer que ele deixe o Brasil. Casar-se com uma brasileira é uma das formas de evitar isso.
Hora da verdade
Conceição soube do relacionamento do filho com David pelo próprio Toni. "Ele disse que tinha algo para me falar, mas estava aguardando o momento certo. Eu disse que o momento certo era aquele e o espremi na parede. Ele acabou contando."
Mãe de oito filhos homens, Conceição deu a Toni o conselho que uma mãe tradicional daria a uma filha mulher. "Orientei ele para que escolhesse um homem só, em vez de ficar ciscando como muitos que há por aí."
Pouco tempo depois, ela promoveu um almoço de família especialmente para conhecer David. "Minha sobrinha de 5 anos quebrou o gelo com uma pergunta que todos queriam fazer", lembra Toni. "Ela perguntou quem era o tio, quem era a tia."
Ele mesmo respondeu que ambos eram tios, porque se tratavam de dois homens. Histórias como essa ajudaram na aproximação entre David e a família de Toni.
"Fui muito bem recebido por eles", diz David, que gosta de cozinhar e no almoço de apresentações fez profiteroles (espécie de bomba de chocolate). "Estava tenso e derrubei o prato, mas no fim tudo correu bem", lembra.
A conquista
Na verdade, ainda não foi ali que David conquistou a simpatia da "sogra". "Só com o tempo ele passou a ser uma pessoa do meu coração", diz Conceição. "No início, devo confessar que a presença dele me incomodava."
Hoje, ela diz que gosta de David "como se fosse um filho". "Ele me ganhou totalmente. Me sinto em casa quando estou com os dois. Passo longas temporadas com eles", diz Conceição, que mora em Quedas do Iguaçu, uma cidade de 30 mil habitantes a cerca de 450 quilômetros de Curitiba.
O casamento com a "sogra", para conseguir o visto de residente, não é a primeira opção de David. "Quero me casar, sim, mas com o Toni", diz o inglês, que luta pelo casamento entre pessoas do mesmo sexo. "Se todos são iguais perante a lei, porque os heterossexuais podem se casar e nós não?"
Ele já foi casado com uma mulher, na Inglaterra, e diz que não pretende repetir a experiência "só para satisfazer a lei". "Não era feliz e, agora que tenho a possibilidade de ser, não quero me submeter", afirma.
Conceição, que costuma passar datas como Natal, réveillon e Páscoa com eles, está em Curitiba para o Dia das Mães. "Gosto de todos os meus filhos, mas esses dois são especiais", diz.

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