São Paulo, domingo, 12 de maio de 1996
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A poesia luminosa de Creeley

RÉGIS BONVICINO

especial para a Folha Robert Creeley, que está no Brasil, é considerado um dos maiores poetas norte-americanos da atualidade (embora ele mesmo recuse essas categorias de "maior", "melhor" etc.). Allen Ginsberg, poeta que transcende o rótulo de "beat" (para que servem estes rótulos superficiais?), diz que "Creeley criou um corpo rico de poemas, que amplia o trabalho de seus predecessores Ezra Pound, William Carlos Williams, Louis Zukofsky e Charles Olson e que tem -como o deles- um método para explorar a nova consciência poética americana".
Um método (cada um que crie o seu) com resultados consistentes, elaborado, em seu caso, a partir de uma linhagem experimental. E não modelos a serem reproduzidos sem reflexão. Talvez este seja o ponto que se possa tomar da obra de Creeley para enriquecer a poesia brasileira contemporânea, que -como bem lembra João Cabral- já está há bastante tempo sem "movimentos" em sua cena e por isso aberta a todas as possibilidades, do visual ao épico. Ou, como diz Creeley: "Nós não vamos a nenhum lugar que eu veja como 'verdade', afastando 'regras' ou linhas evolutivas do caminho da arte".
Creeley pensa o mundo (logopéia), percebe o mundo com seus poemas -sintaticamente complexos, daí os cortes drásticos nos versos, tendo como pontos de referência a fala, a transposição consistente da fala para o papel e, depois, sua reproposição como leitura e música (melopéia). Foi influenciado pelo jazz de Charlie Parker, com suas constantes e variantes, tema e improviso.
John Ashbery, avaliado por muitos como o "maior" poeta norte-americano vivo, observa, captando sua força, que "a poesia de Creeley é tão básica e necessária quanto o ar que respiramos", para concluir que "ele é o melhor que temos". O crítico Charles Altieri pontua que: "Creeley, como os mais importantes poetas americanos da atualidade, tenta resolver, entre outras questões, em sua poesia, o dualismo homem/natureza, sujeito/objeto, definindo-a como a poesia da conjectura".
Robert Creeley é, além de poeta, prosador e autor de (poucas) peças de teatro. Sua prosa, experimental, à la Stendhal ou Flaubert, está reunida no volume "The Collected Prose of Robert Creeley" (University of California Press). Seus ensaios estão também hoje recolhidos num livro fundamental "The Collected Essays of Robert Creeley" (também University of California Press), com estudos sobre Walt Whitman, Williams, Pound, Basil Bunting, sobre os pintores de sua geração (Jaspers Johns, Philipe Guston e outros) e a respeito da novíssima poesia norte-americana, com ênfase em Michael Palmer e Charles Berstein e na Language Poetry. Estes dois volumes estão em catálogo, bem como seus mais recentes livros de poemas "Echoes" (1994) e "Windows" (1988), ambos da New Directions, e "Selected Poems" (University of California Press).
O poema que ora se publica está em "Windows", chama-se "Luz da Noite". Sua estrutura de composição é rara na poesia brasileira (monólogo/diálogo). Nele o "eu" do poeta aparece como "você", terceira pessoa, genérica, impessoal. O poema oscila entre o monólogo à la Samuel Beckett e o diálogo. É uma fala consigo mesmo disfarçada. O "eu" deslocado para o "você" representa, num primeiro momento, a contraposição entre lâmpada e sol, o confronto entre interno e externo -entre homem e natureza, como apontou Altieri. O confinado buscando o externo, como se não fosse natural que, depois da noite, chegasse a claridade.
A intensidade das luzes e a espera ativa e tensa do locutor se transformam em intensidade de sentidos, para se interromper no estranhamento, interrogativo (conjectura), do inusitado verso final: "... pensando na/ estúpida simples luz do sol" ("estúpida" para expressar a raiva pessoal e para estranhar a rotineira "luz do sol"). Imagens (fanopéia) iluminando a noite de sentidos, de perspectiva diversa da "noitemanhã", também contundente, de João Cabral, de "Tecendo a Manhã" (1966): "A manhã, toldo de um tecido tão aéreo/ que, tecido, se eleva por si: luz balão".

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