São Paulo, domingo, 12 de maio de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Alteração genética de mosquito pode acabar com a transmissão da dengue

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A engenharia genética está prometendo uma solução para um dos flagelos de alguns países tropicais como o Brasil: a dengue, uma doença comum na Ásia que se espalhou nos últimos anos na América Latina.
A doença, causada por vírus e transmitida por mosquitos, pode ser derrotada ao se interromper essa ligação entre parasita e vetor. Isto é, entre o vírus e o mosquito que o carrega.
Foi o que conseguiu uma equipe de pesquisadores da Universidade do Estado de Colorado, nos EUA, liderados por K. E. Olson. O trabalho da equipe está na revista "Science" de sexta-feira passada.
Os cientistas produziram o inverso daquilo que a natureza considera o normal.
Todos os seres vivos têm um material genético, a fórmula para a sua produção e funcionamento. Funcionar significa produzir e ativar proteínas, os "tijolos" dos quais são feitos os seres vivos.
As proteínas também servem para regular o metabolismo desse ser vivo. Toda essa fórmula é expressa em uma molécula de DNA, o ácido desoxirribonucléico.
O DNA tem a forma de uma dupla hélice, como duas escadas em espiral entrelaçadas. Cada degrau tem duas partes, duas bases químicas complementares.
Uma das "escadas" é conhecida como "sense"; a outra é a "antisense"(um "sentido" e outro "anti-sentido").
Engenharia genética Os cientistas resolveram atacar o problema da dengue pela sua raiz: afetar o DNA do mosquito de modo que ele deixasse de informar ao organismo do inseto que hospedar o vírus era algo tranquilo -quer dizer, o objetivo era evitar que o mosquito carregasse o vírus.
Para isso, eles literalmente retiraram a "escada" que permitia ao vírus ser acolhido e se reproduzir sem problemas na glândula salivar do mosquito.
O trabalho da equipe consistiu em injetar no mosquito a nova "escada", letal para o vírus. A construção dos degraus "antisense", porém, não é fácil, nem direta. Antes de chegar ao DNA, é preciso empregar outro ácido nucléico -o RNA (ácido ribonucléico).
O dogma básico da engenharia da vida é que DNA produz RNA que produz proteína.
Através do processo de "transcrição", a informação contida em uma sequência de "degraus" de DNA se transfere para uma sequência de RNA. Esse processo, essencial para a produção das proteínas, pode ser interrompido pela introdução na célula de uma sequência "antisense" artificial.
Vírus "ônibus"
Olson e seus colegas colocaram nos mosquitos uma molécula "antisense" de RNA capaz de bloquear a reprodução do vírus. Para fazê-lo, eles tiveram de usar outro vírus -o Sindbis- como "portador" da mensagem.
O experimento feito por Olson e colegas mostraram que a injeção de RNA "antisense" feita pelo Sindbis deu certo -os insetos foram incapazes de transmitir o vírus.

Texto Anterior: O que é açúcar invertido?
Próximo Texto: Natureza vai 'testar' ciência
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.