São Paulo, domingo, 12 de maio de 1996
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Até quando?

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Uma vez por mês, o Matias vem para São Paulo para tratar dos negócios de sua fazenda. Encontrei-me com ele numa livraria da rua 24 de Maio. Foi um daqueles papos que a gente sente quando acaba.
O Matias continua alerta como sempre. Louco para palpitar na política. Crítico de tudo.
Por isso, fui logo enaltecendo a aprovação, pela Câmara dos Deputados, na última semana, de um projeto de lei que tornou compulsória, para os Estados e municípios, a aplicação anual de R$ 12 bilhões no ensino de primeiro grau -o que dá R$ 300 por aluno.
Foi um grande passo. Pedi ao Matias para, juntamente, aplaudirmos os congressistas.
Mas, a essa altura, ele já estava com uma bala preparada na sua agulha, disparando incontinenti.
"Tudo bem, foi um belo gesto. Mas isso não redime o Congresso Nacional da sua impatriótica lentidão no campo das reformas estruturais. A nação espera há mais de três anos por tais mudanças e os parlamentares continuam dizendo que, nesse campo, não têm a menor pressa."
Ponderei ao Matias que a Câmara dos Deputados aprovou, no primeiro semestre, a reforma da previdência, suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, mas que, pensando melhor, voltou a autorizar a sua tramitação normal. Pedi a ele mais um voto de confiança.
Foi aí que o Matias veio com outro petardo, indagando:
"Quem autorizou os parlamentares a se autoconcederem 11 dias de férias remuneradas como fizeram nas últimas semanas? Perderam quase meio mês de trabalho entre 25 de abril e 7 de maio. Esses nossos congressistas são muito espaçosos... Enquanto desfrutam de suas 'merecidas' folgas, o desemprego no país subiu para 6,5% -sem contar os 55% que trabalham em condições precárias no nosso gigantesco mercado informal."
Nesse ponto, engrossei o coro com o Matias. Eu também já estou cansado de ouvir que o desemprego é mundial e que as novas tecnologias usam pouca mão-de-obra. Tudo isso é verdade.
Assim como também é verdade que, no caso brasileiro, uma enorme parte dos problemas de emprego decorre da inércia do Congresso Nacional. O Matias tem razão. Essa não era hora de tirar folga.
Todos sabem que a falta das reformas tem uma enorme responsabilidade na determinação das altas taxas de juros e na explosão da dívida pública, o que, por sua vez, inibe os investimentos e reduz os empregos.
Isso já circula até no exterior. O Plano Real corre perigo. Só no ano passado, os juros da dívida consumiram cerca de R$ 35 bilhões -dinheiro que deixou de ser investido para gerar renda e empregos.
De fato, foi revoltante ver o Congresso Nacional do Brasil fazer pouco de quem precisa e não pode trabalhar. Folgar 11 dias por causa do 1º de Maio e no momento em que a maior parte do mundo protestava contra o desemprego foi demais.
Essa provocação passou da conta. Os parlamentares estão abusando das liberdades democráticas, prejudicando a imagem do nosso país no exterior.

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