São Paulo, quarta-feira, 15 de maio de 1996
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Poeta relativiza sua importância

Creeley conta "casos de poesia"

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O confronto entre a organicidade da cultura literária norte-americana e o ambiente descontínuo e fragmentado das letras brasileiras marcou o debate com o poeta Robert Creeley, 70, anteontem à noite, no auditório da Folha.
Debateram com o escritor norte-americano os poetas e tradutores Régis Bonvicino e Duda Machado. A mediação foi do jornalista Marcos Augusto Gonçalves, editor de Domingo da Folha.
Avesso à abordagem teórica da própria obra, Creeley, considerado um dos principais sucessores de Ezra Pound, William Carlos Williams e Charles Olson, falou o tempo todo de forma muito pessoal, como um "contador de casos".
Diálogos
Destacou a importância das experiências coletivas, da vivência com os amigos, das trocas e dos diálogos com as artes plásticas sobre sua produção poética.
Esse foi o gancho que permitiu a Bonvicino lamentar a ausência "de espaços físicos e mentais" para a poesia no Brasil, onde, segundo ele, num ambiente muito rarefeito, predominam "rivalidades grupais muito poucos produtivas para a poesia, como aquela que insiste em contrapor formalistas e marxistas".
O que fascina em Creeley, disse Bonvicino, "é seu método próprio, sua independência, seu rigor existencial, sua capacidade de afastar-se de modelos para dialogar com eles e não reproduzí-los".
Duda Machado, na mesma linha, condenou "a postura dogmática" nas letras brasileiras. Disse que a poesia de Creeley, com suas descontinuidades sintáticas, sua concretude e concentração verbal, se beneficiou de um diálogo não-dogmático com poetas que se agruparam, nos anos 50, em torno da "Black Mountain Review".
Coube a Creeley relativizar sua importância no panorama da poesia norte-americana.
Pescaria
Depois de dizer que o ambiente acadêmico dos EUA, se por um lado aglutina a discussão literária, por outro também não deixa de ser hostil à poesia, Creeley falou que "estaríamos todos perdendo tempo se fizéssemos poemas esperando ser reconhecidos". "Acho que nos EUA o reconhecimento de um poeta se dá com sua morte", ironizou.
Mantendo-se em silêncio sobre a discussão da situação da poesia no Brasil, Creeley acabou forjando a imagem mais bela da noite quando comparou a poesia ao ato de pescar. "Poesia é como pescaria. Só vem quando o peixe morde a isca. E eu estou sempre pescando", disse. O encontro se encerrou com a leitura de dois poemas de Creeley, no original e nas traduções feitas por Bonvicino.

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