São Paulo, domingo, 19 de maio de 1996
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Governo usa CMN para tomar medidas secretas

GUSTAVO PATÚ
VIVALDO DE SOUSA

GUSTAVO PATÚ; VIVALDO DE SOUSA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Decisões do conselho não são divulgadas nem no "Diário Oficial"

O governo passou a utilizar o CMN (Conselho Monetário Nacional) como um fórum de decisões secretas. Medidas aprovadas pelo conselho envolvendo milhões de reais não são nem divulgadas ao público nem publicadas pelo "Diário Oficial da União".
Em um dos casos mais recentes, o CMN autorizou a Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, a emprestar R$ 525 milhões para que seus associados comprassem ações do BB.
Pela legislação, os fundos de pensão só podem emprestar aos associados 3,5% de seu patrimônio aos associados. É uma regra de segurança, para preservar as reservas dos fundos.
Em 28 de março, porém, o CMN duplicou esse percentual para a Previ, o maior fundo de pensão do país, com patrimônio de R$ 15 bilhões. Motivo: o governo estava empenhado no programa de socorro ao BB.
A decisão não foi nem anunciada na entrevista coletiva concedida após a reunião do CMN nem foi publicada no "Diário Oficial". A Folha confirmou a existência da medida junto à Previ e ao BB.
Casos como esse são possíveis por dois motivos: o primeiro é o poder que o CMN possui de legislar sobre o mercado financeiro com votos cujo teor é confidencial. Não há uma regra clara, porém, definindo que assuntos são ou não sigilosos.
O segundo é a redução do número de membros do CMN após o Plano Real. Antes do plano econômico, o conselho tinha representantes de todos os ministérios econômicos, do setor empresarial e até de trabalhadores.
Com a MP (medida provisória) que criou a nova moeda, em julho de 94, o CMN passou a ser composto apenas pelos ministros da Fazenda e Planejamento e pelo presidente do Banco Central.
Vazamentos
Há uma estrutura montada que torna os votos do CMN e do BC quase à prova de vazamentos. Em setembro último, o BC editou portaria interna -também sigilosa- determinando que nem autoridades do próprio governo poderiam ter livre acesso aos votos.
Dessa forma, permanece quase inteiramente desconhecido o voto do BC, de novembro, que o levou a gastar R$ 3 bilhões na compra de papéis "podres" (sem valor de mercado) junto a três bancos privados. Esses títulos foram usados no socorro ao Nacional.
A Folha teve acesso ao voto porque ele foi obtido pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP), em requerimento oficial ao governo. O documento autoriza o BC a comprar, em nome do Banco Nacional, papéis podres em poder dos bancos Bradesco, Itaú e Unibanco.
Outros votos do CMN foram anunciados pela equipe econômica, mas seu conteúdo permanece desconhecido e não é fornecido pelo governo.
É o caso da decisão, tomada em agosto de 95, de pagar com recursos do Tesouro saques em conta corrente até R$ 5.000 em bancos liquidados após o Plano Real. O reajuste salarial de até 77% para os funcionários do BC, que acabou vetado pelo Palácio do Planalto, também seria um voto secreto.
Carimbo
Presidente do CMN, o ministro da Fazenda, Pedro Malan, não aceita a palavra "secreto" para designar os votos do CMN. "Não me lembro de ver nenhum voto do CMN com o carimbo de secreto", disse o ministro à Folha.
Segundo Malan, trata-se de um procedimento normal. "O teor do voto nunca é divulgado."
A assessoria do BC explicou que os votos tratam de transações "entre partes" e, por isso, não precisam ser divulgados. Apenas um resumo de cada voto é publicado no "Diário Oficial". Segundo o BC, a publicação dos resumos dos votos aprovados na reunião de março do CMN está atrasada.

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