São Paulo, segunda-feira, 20 de maio de 1996
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Policiais e guerrilheiros contestam laudo

MARIO CESAR CARVALHO

MARIO CESAR CARVALHO; GEORGE ALONSO
DA REPORTAGEM LOCAL

Participantes da operação que resultou na morte do líder da ALN dizem que ele estava no carro

Policiais envolvidos na operação que resultou na morte do líder da ALN (Ação Libertadora Nacional), Carlos Marighella, em 1969, e guerrilheiros presos à época dizem que ele morreu dentro do carro.
Essa versão, igual à oficial, contraria análise feita pelo legista Nelson Massini a pedido da Comissão dos Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos, segundo a qual a morte ocorreu na rua.
A Folha ouviu cinco delegados e um policial que participaram da operação. É a primeira vez que falam após o fim da censura.
Os dois lados concordam em outro ponto: o líder da ALN, grupo que queria chegar ao poder por meio da luta armada, não reagiu à ordem de prisão.
"Marighella morreu dentro do carro, dou a minha palavra de honra", diz João Carlos Tralli, 64, policial que estava escondido sob a lona de uma camionete no dia do cerco, a aproximadamente três metros do Volks em que o líder da ALN foi encontrado (veja ao lado duas versões para a morte).
"Demorei menos de um minuto para chegar ao Volks após os tiros. Não daria tempo de colocar o corpo lá", diz Rubens Pacheco de Souza, 57, investigador à época, listado como torturador no livro "Brasil Nunca Mais", o que nega.
O diretor do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) em 1969, Benedito Nunes Dias, conta que queria Marighella vivo.
O caso, segundo Tralli, é que havia uma guerra: "Numa guerra você tem de atirar primeiro. É como acontece nos filmes. Você vai esperar o cara pegar a arma? É guerra, filho".
Entre 1973 e 1974, Tralli ficou seis meses preso, acusado de integrar o Esquadrão da Morte. Ele nega.
Souza faz uma revelação que contraria a versão oficial, segundo a qual Marighella estaria acompanhado de uma guarda que teria atirado com a ordem de prisão: "Fora o Marighella, não vi ninguém".
A cilada
Não havia ninguém com Marighella, segundo ex-militantes da ALN, quando ele chegou ao Volks estacionado à frente do número 806 na alameda Casa Branca, por volta das 20h.
O líder da ALN iria se encontrar com os frades Yves do Amaral Lesbaupin e Fernando Brito. Os dominicanos haviam sido presos dois dias antes no Rio pelo delegado Sérgio Fleury, o mesmo que diria depois ter dado um dos quatro tiros em Marighella.
Sob tortura, confessaram o esquema de contato com Marighella -um telefonema seria dado à livraria Duas Cidades para agendar o encontro na Casa Branca.
O telefonema aconteceu às 16h30 e, três horas depois, a polícia havia montado o cerco. Os frades seriam usados como isca para encurralar Marighella no carro.
"Yves me disse na cela cinco do Dops, dois ou três dias depois da morte, que Marighella entrou no carro, e agora vem falar que não foi assim?", pergunta Genésio Homem de Oliveira, 71, militante da ALN preso no dia da morte.
"Essa versão de que Marighella morreu fora do carro é para livrar a cara dos frades. Não é isso que eles diziam na cadeia", afirma Prescílio Cavalcanti, 63, integrante da ALN à época, preso no dia 4.
O interrogatório
Os dois ficaram na mesma cela que os frades no Dops. Dizem se lembrar do interrogatório a que os religiosos foram submetidos logo que os militantes da ALN souberam que estavam ligados à morte de Marighella.
"Havia cerca de 30 presos numa cela feita para 8. Não dava para fumar, tinha que dormir um em cima do outro, era um inferno. A notícia da morte do Marighella caiu lá como uma bomba. Muita gente queria matar os frades", relata Cavalcanti. Ele diz ter sido contra a execução dos religiosos.
Jacob Gorender, 73, considerado o mais fiel historiador da luta armada até por adversários ideológicos como o ex-ministro Jarbas Passarinho, diz ter adotado a versão de que Marighella foi morto dentro do carro porque foi checar o que ouvia na prisão.
Fez 12 entrevistas com pessoas que conviveram com os frades para escrever "Combate nas Trevas" e teve a confirmação do que corria no presídio Tiradentes.
Frei Betto, 51, acha que os frades podem ter contado essa versão na prisão devido ao estado de choque em que se encontravam, resultado da morte de Marighella e da tortura que sofreram.
No livro "Batismo de Sangue" (1983), frei Betto endossa a versão de que Marighella morreu fora do carro e que os frades não foram os únicos responsáveis.
Ela aparece pela primeira vez em 1971, apresentada por Mario Simas, 62, advogado de defesa dos dominicanos. "O jeito que o Marighella aparece no banco de trás é uma posição impossível. Ele foi colocado no carro", afirma Simas.
Frei Betto diz que nunca teve a intenção de eximir a responsabilidade de Yves e Fernando. "Mas havia infiltração na ALN. Tanto que a organização foi derrubada praticamente inteira depois."
Segundo ele, havia colaboração da CIA (central de inteligência norte-americana) com o Dops. "O ex-agente Victor Marchetti diz que a CIA sabia do sequestro do avião que ocorreu na mesma noite da morte e não fez nada porque a prioridade era o Marighella."
"Isso é fantasia, não há provas", afirma Gorender. "E, qualquer que seja a hipótese, houve uma execução premeditada."

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