São Paulo, terça-feira, 21 de maio de 1996
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Preço mínimo ou máximo?

LUÍS PAULO ROSENBERG

O atual governo paulista parece atravessar um inferno astral interminável.
Tendo tido o triste privilégio de suceder as duas gestões que comandaram a quebra das finanças estaduais, a equipe atual foi tão fundo quanto possível em corte de despesas, demissão de pessoal, combate à sonegação e renegociação de dívidas com o governo federal.
Não fosse a politização do "affaire" Banespa, sua postura de austeridade seria impecável.
O espetáculo de seriedade administrativa que Mário Covas está dando é exemplar, contrastando dramaticamente com a disparada do déficit federal em 1995.
Os méritos só crescem quando se sabe que o governador de São Paulo, dentro da atual safra de governadores do país, constitui-se no maior baluarte da defesa de um papel preponderante do Estado na solução dos problemas econômicos nacionais.
O mesmo pragmatismo que o levou a cortar seus dispêndios na carne deve tê-lo conduzido à conclusão de que, se não retomar o investimento em serviços públicos, seu poder de influenciar o futuro político do Estado será nulo.
E como investir, se São Paulo está financeiramente quebrado? Dado, felizmente, seu enorme patrimônio em empresas estatais estaduais, a resposta é simples: privatizando. Ou transferindo concessões estaduais para o setor privado.
Para marcar o compromisso com a privatização, foi escolhida a venda da Ceagesp, a companhia estadual de armazenagem e distribuição de produtos agrícolas.
Os estudos para o cálculo do preço mínimo aceitável foram concluídos e o leilão de venda marcado para a semana passada.
No dia, a Bolsa estava engalanada. Secretários estaduais, com seus séquitos de assessores e bajuladores, autoridades civis, militares e eclesiásticas, todos acorreram ao templo do capitalismo para presenciar o histórico momento.
O edital de privatização foi lido na íntegra, consumindo tediosos 20 minutos, até chegar o momento tão ansiado: o leiloeiro declara iniciados os trabalhos e procura, em vão, um lance sequer.
Só então todos deram-se conta de que faltava o agente principal do processo: o comprador, cuja ausência transformou o evento solene em palhaçada.
Como os fundamentos doutrinários que levaram o governador a adotar a privatização não são muito enraizados, é preciso evitar que a frustração traumatize essa equipe, como acontece a um adolescente tímido cuja primeira experiência sexual é um fracasso e o leva a desinteressar-se pelo tema.
O processo de privatização adotado, institucionalizado pelo governo federal, tem o vício de preocupar-se mais com o preço mínimo do leilão do que com obter o preço máximo.
Realmente, gasta-se uma fábula de dinheiro com engenheiros e auditores, que passam meses analisando livros contábeis e inventariando almoxarifados na busca do preço mínimo aceitável para vender uma estatal.
Calculado esse número mágico, vai-se ao leilão e seja o que Deus quiser.
Ora, manda o bom senso que uma venda bem-feita passe por um diálogo entre o vendedor e os potenciais compradores.
A ninguém ocorreria vender assim seu apartamento. Primeiro, contrata-se um corretor, bom de conversa, que atrai vários candidatos; propostas e contrapropostas vão e vem, até que se fecha o negócio quando se chega a um bom preço.
Não há por que queimar-se essa etapa na privatização. Em vez de avaliadores de preço mínimo, o governo deveria contratar um banco de negócios para ajudá-lo.
Esse seu parceiro sairia pelo mundo à cata de eventuais compradores. Usaria das consagradas técnicas de negociação para ir extraindo o máximo de cada interessado, até dar-se por convicto de que o melhor possível foi alcançado.
Nesse momento, marca-se um leilão, para preservar a transparência do processo de transferência de um bem público para o setor privado.
O revolucionário processo de privatização do Banerj, em andamento, certamente avançará com esse enfoque na sua venda, permitindo ao governo carioca evitar o vexame a que foi exposto o governo paulista na sua melancólica tentativa de vender a Ceagesp.

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