São Paulo, terça-feira, 21 de maio de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Passe mal dado

JUCA KFOURI

Os clubes se mobilizaram para tentar impedir a mudança proposta por Pelé na Lei do Passe. Nada mais esperado.
Os clubes têm suas propostas, pediram, e conseguiram, mais 30 dias de prazo para apresentá-las, evitando que a resolução do Ministério dos Esportes entrasse em vigor no próximo dia 1º de junho.
Tudo muito democrático, tudo como deve ser.
Mais: o ministro da Educação, Paulo Renato Souza, respaldado por um parecer de sua assessoria jurídica, ponderou, por escrito, ao ministro Pelé que as mudanças por ele desejadas contrariam a legislação em vigor. O argumento se baseia em alguns artigos da Lei nº 6.354, de 2 de setembro de 1976. O incrível é que tais artigos perderam sua validade desde a aprovação da chamada Lei Zico, detalhe para o qual a assessoria do ministro Paulo Renato está tendo sua atenção chamada na resposta do ministro Pelé.
O fato é relevante, no entanto, menos pela cochilada de alguns assessores e mais pelo aspecto político que revela: até entre os ministros de áreas tão afins -não esqueça que o ministério de Paulo Renato se chama Ministério da Educação e do Desporto- há divergências sobre a manutenção ou não da imoral Lei do Passe.
Pior ainda, porém, é o resultado da pesquisa da Folha sobre a posição dos próprios jogadores a respeito do passe. Apenas 42% querem a extinção, e nada mais que 54% desejam sua manutenção.
Sempre se poderá argumentar que se antes da Lei Áurea fosse feita uma pesquisa os escravos também seriam contra o fim da escravidão, temerosos de perder casa e comida e de serem jogados sem preparo no mercado de trabalho.
Mas também não se pode negar que é no mínimo constrangedor, por melhor que seja a intenção e por maior que seja a generosidade do gesto, dar um presente a quem não queira recebê-lo.
E talvez esteja aí o problema de Pelé: de cima para baixo nem presente deve-se dar.
No fundo, a raiz é a mesma do corporativismo que une os que são contra as privatizações, as aposentadorias especiais, numa palavra, as reformas: a manutenção de privilégios. Esses atletas, comuns e pouco esclarecidos, temem a livre concorrência e se agarram aos pequenos privilégios que o passe lhes dá, às garantias menores.
Se muitos escravos preferiam a senzala, muitos jogadores não abrem mão de ser da turma do come e dorme. E viva o paternalismo!

Texto Anterior: Adeus, Magic; 76ers na cabeça!; Brasil
Próximo Texto: Muricy prepara 'novo time' do São Paulo para Parreira
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.