São Paulo, terça-feira, 21 de maio de 1996
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Deputados caretas temem comida de passarinho

ARNALDO JABOR
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A maconha não é nada, ou quase nada. Não é uma droga que corrói o fígado como o álcool. Não mata como a cocaína, esse veneno de rato branco que você respira depois de malhada pelos crioulos da favela. É natural: não tem o sangue jorrando atrás dela desde a Bolívia até o morro do Boréu nem precisa dos bujões de éter no meio da floresta.
Não é como o ácido lisérgico, que faz ver uma grande gelatina na realidade, onde tudo se mexe como uma rumba azul.
Por que então a maconha provoca tanta inquietude, quando o verde deputado Gabeira importa uns quilos de semente, dentro da lei, semente de "Cannabis" que sempre foi dada para os canários cantarem mais alto?
Aliás, como afirmam os cientistas, já que eu nunca experimentei e nunca o farei (minha droga vai até o Lexotan), a maconha faz até bem para o coração de muitos ansiosos.
Era comprada em qualquer farmácia nos anos 30 com o nome de "Cigarros Indianos", lindos pacotinhos com uma índia de cocar colorido, cigarros esses que acalmavam a angústia das senhoras antigas da solidão, da repressão, das "flores brancas", das dismenorréias, das alvas enxaquecas, dos desmaios histéricos, dos gozos desconhecidos, das insônias.
A maconha é o melhor remédio para o glaucoma e, dizem os que usam essa ervinha, produz um relaxo legal nos músculos e uma tranquilidade que poucos calmantes proporcionam.
E, afirmam ainda, certamente muitos remédios, "mezinhas" e panacéias poderiam advir do refino da mesma, para acalmar velhinhos em asilos e tranquilizar agitados em suas camisas-de-força, com essa ervinha que, uma vez fumada antes do ato sexual, provoca prazeres inauditos e longos orgasmos, podendo fazer com que ejaculadores precoces se segurem e frígidas senhoras se soltem e uivem nos laços de um polvo invisível e volteante, numa teia de loucos estertores entre gritos operísticos.
Isso dizem alguns, não eu, claro, que sou um pobre diabo e nunca me aproximaria desta erva do demônio, desta "maria juana" temível.
Contam alguns "muito loucos" que o prazer sexual aumenta muito, já que a noção de tempo também se alonga, ficando tudo em câmera lenta, coisa desagradável se você está num túnel ou num engarrafamento de trânsito, mas que é delicioso não nos dois braços, mas nos cinco braços, ou nas cinco asas brancas de uma mulher amada e que o amor vira uma grande dança num paraíso e que mesmo os lençóis brancos semelham ondas do mar e a cama vira uma nave espacial indo em direção a alguma galáxia aí muito doida.
Dependendo da qualidade do "beck", da "massa" ou da "mary jane", que pode ser um "acapulco gold" ou mesmo um "da lata", (oh!! As maravilhas que contam aqueles que já experimentaram o fumo daquelas latas que foram lançadas por um navio louco nas águas da Guanabara e que até hoje são lembradas por velhos chincheiros e marinheiros doidões, tendo até virado a expressão "da lata", significando "jóia".
Em suma, gente boa, como eu dizia acima, dependendo da qualidade do "baseado", nego podia ficar gozando horas seguidas, ajudado inclusive por uma boa música -Jimi Hendrix era legal naqueles anos 60.
Mas a razão deste raciocínio -não posso me perder, "mermão"- é a seguinte indagação: Por que será que a maconha provoca tanta inquietação, como quando dona Ruth declarou-se a favor da descriminação da mesma ou quando o Clinton disse que fumou mas não tragou e coisa e tal, afirmação aliás que fez FHC perder a prefeitura, anos atrás? Por quê? Por que tanto auê, tanta onda, por causa duma mixaria que nem droga é?
Ou, como no caso agora do pacotinho do Gabeira, nosso deputado brechtiano, nosso deputado socrático, que gosta de provocar a abertura das mentes, por que causa tanta raiva nos caretas?
"Caretas". Essa palavra não está suficientemente "politizada". Todo mundo fala em "reacionário", de "esquerda", de "direita" e coisa e tal. E os caretas? Onde ficam? Muito da nossa desgraça política deve-se à caretice. Pega esses deputados e senadores aí, todos enforcados em gravatas e ternos escrotos e pense quanta bobagem talvez eles cometam porque nunca tocaram num baseado...
Por que temem tanto a "diamba", aquela turminha braba que depois da Câmara vai tudo encher a cara com uísque no Piantela, entre peruas, gargalhadas e conchavos, por que essa gangue tem tanto medo do fumo?
A resposta é simples. Diferentemente da coca, da birita e outros bichos, a maconha libera o filho da mãe. O sujeito queima o fumo e dá um relaxo. A vida fica mais democrática, gente boa (dizem os que já experimentaram); evola-se uma nuvem azulada nos céus, como uma espécie de inconsciente artificial, e o mundo fica diferente, as coisas ficam mais livres, as obsessões perdem a valia, as culpas, os superegos diminuem, e some a sensação de que a vida é uma grande Câmara dos Deputados, onde nunca há "quorum" para aprovar nossos desejos!
Ah...! Ah!... Boa comparação... e a vida fica mais bela que o bigode do Paes de Andrade, ah, ah... ou seja, a liberdade que ela provoca no sujeito é, digamos, "incompatível", como é que diz mesmo?- in-com-pa-tível... aha, ah... essa palavra é muito louca, gente boa, a maconha é "incompatível" com a caretice necessária ao bom exercício da política.
Me diz, me diz como um cara vai bloquear uma votação doidão, como fazer um bom DVS com a cara cheia de um "paraguaio com mel", nem mesmo precisa um "skunk", basta um "pernambucano light"...
Já imaginaram o Congresso cheio de fumo? O ACM desbundando e indo morar em Trancoso, cheio de fita no pescoço? E a Jandira Feghalli, que já tem jeito de hippie careta, largando o PC do B e falando em "revolução interior"? E o Paim acendendo um com o Chico Vigilante? Mas que eu estava dizendo mesmo?... Ihh... esqueci, cara... é o seguinte... eu...ah, já sei... É o seguinte: é que eu acho, numa "boa" mesmo, que a rapaziada do Congresso tem medo da maconha sabem por quê?
Porque desejam ardentemente experimentá-la, mas não têm peito. Porque "careta" é o cara que vive com a cara torta, armando uma pose, fingindo que é democrata sem ser, fingindo que gosta do povo sem gostar, fingindo que é honesto sendo ladrão.
Os vícios se escondem atrás de uma "careta", daí a origem da expressão... ah, ah... E esta sensação de liberdade é, como eu já disse, inco-incopa... "incompatível"... sei lá, deixa pra lá, gente boa, ou seja, por isso que nego quer mais é processar o Gabeira, que é um dos poucos caras legais dentro daquele antro cheio de caretaços da pesada.
Talvez, se queimassem uns, passariam às reformas; talvez fossem menos ruralistas, menos evangélicos, menos corporativistas, menos viciados em jabaculês e coisa e tal. Por isso, estão com tanto medo da comida de passarinho... ééé... ééé... Os canários cantam melhor com as sementes de "Cannabis" importada... E tem mais... o seguinte... quer dizer... esqueci... tudo bem... É isso aí, gente boa...

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