São Paulo, quarta-feira, 22 de maio de 1996
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Greve geral

LUIZ MARINHO

A CUT e outras centrais sindicais estão preparando uma greve geral para 21 de junho, um dia de protestos e manifestações populares por mais empregos, recuperação de salário mínimo e terra para os trabalhadores rurais.
Será o primeiro protesto de fôlego contra o governo de Fernando Henrique Cardoso, que, até lá, terá completado 18 meses à frente de uma equipe econômica que nada fez de concreto para começar a eliminar as desigualdades sociais do Brasil.
Acredito que existam segmentos da população ainda entorpecidos com o "sucesso" da queda da inflação. Como todo embriagado, repetem sempre a mesma coisa, sem lucidez para observar o resto à sua volta.
Esses (incluo aqui boa parte dos veículos de comunicação) serão os primeiros a escorraçar a greve, rotulando o movimento de antipatriótico, antidemocrático, fora de hora e coisas parecidas, mas já bastante ultrapassadas.
Para eles, não há motivos para manifestações de oposição de quem quer que seja. A lua-de-mel deve continuar.
A CUT não compartilha desse entendimento e quer mostrar, no dia 21 de junho, o verdadeiro Brasil aos brasileiros.
Mostrar, por exemplo, que é inadmissível viver na nona economia mundial -fato que deveria ser motivo de orgulho- enquanto o relatório do Banco Mundial de 1995 aponta o Brasil como o campeão em concentração de renda, onde os 10% mais ricos da população detêm 51,3% do PIB.
Dos 145 países incluídos no relatório da Unicef (1995) sobre a situação mundial da infância, o Brasil fica em último lugar. Os 40% mais pobres ficam com a migalha de 7% do PIB. Por esse mesmo relatório, os 20% mais ricos abocanham 68% da renda.
Na simplicidade popular, qualquer cidadão sabe que um dos mecanismos de que o governo dispõe para minimizar tamanha desigualdade social, provocada pela má distribuição de renda, é a recuperação do mínimo, vergonhosamente reajustado para R$ 112.
Mas o governo, repetindo modelos passados e até contrariando suas promessas de campanha eleitoral, optou pelo arrocho salarial, sacrificando mais uma vez os trabalhadores.
Para piorar, o Brasil governado por Fernando Henrique Cardoso não tem uma política para os salários, o que deixa para os milhares de pequenos sindicatos a obrigação de humilhar-se diante dos empresários para arrancar uma pequena reposição.
Os salários, em geral, são a parte mais barata de um produto fabricado no Brasil. Por isso, cada vez mais o trabalho vem perdendo peso na participação da renda nacional. Hoje está na casa dos 25%, enquanto 75% cabem à remuneração do capital.
Mas os bêbados da euforia governista -principalmente agora, com as campanhas publicitárias para difundir que "tudo vai bem, daqui para melhor"- vão insistir no xiitismo da CUT.
Para isso, vão se valer de informações como a de que estamos em primeiro lugar na produção mundial de açúcar, café, frutas e mandioca e no segundo lugar em rebanho bovino, o que é verdade. Portanto, indagarão: "Por que esperneiam os radicais"?
Não são os radicais. São os 22 milhões de equilibristas sociais que insistem em andar sobre o fio que separa vida e morte, abaixo da linha da pobreza absoluta.
São os milhões de sem-terra, tratados a bala. São 4,5 milhões de crianças fora da escola, em trabalho semi-escravo. São os aposentados, desprezados e humilhados.
Portanto, a CUT está correta em sua proposta de greve geral, como forma de mostrar a todos, principalmente ao governo, que é preciso apresentar mudanças gerais no rumo da política brasileira que contemplem valorização imediata do salário mínimo, criação de empregos e reforma agrária pra valer, entre outras medidas prometidas e não cumpridas.

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