São Paulo, quarta-feira, 22 de maio de 1996
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A CARAVANA A BRASÍLIA

Brasília amanhece hoje sob o signo da inquietação. A caravana de empresários promete dar um banho de realidade numa cidade que, sediando os poderes da República, é para muitos uma ilha da fantasia.
Mas a quem, afinal, dirigem-se as lideranças empresariais? A qual ou quais poderes seria possível atribuir hoje não apenas a responsabilidade pelos custos do ajuste econômico, mas principalmente o dom de deslanchar a reforma do Estado, da economia e da cidadania?
Os empresários dizem-se "desconsiderados" pelo Executivo. Denunciam a prepotência dos gabinetes, a lei de ferro da estabilização a qualquer preço, a dose exagerada dos remédios, como a abertura e o desaquecimento da economia.
Mas é também forte o apelo ao Congresso Nacional. As lideranças empresariais responsáveis têm consciência de que a dosagem dos remédios monetários contra a inflação é um resultado direto da lentidão das reformas constitucionais, do adiamento da reforma tributária, do compasso lento das privatizações.
E muito desse "timing" decepcionante é resultado das liças parlamentares, do corporativismo que se aninha num sistema de partidos débeis, quando não resulta de preconceitos ultrapassados e de vaidades feridas, para dizer o mínimo.
Estará o Poder Judiciário isento das atenções e preocupações empresariais? Certamente não, levando-se em conta que muitos dos conflitos entre Executivo e Legislativo encontram nessa instância uma mediação necessária, mas que nem sempre atua e medeia com a devida presteza.
Em Brasília, os empresários estão hoje fazendo soar o alarme, acendendo uma enorme luz amarela que sinaliza um impasse e expressa uma confiança debilitada.
E o impasse é mais grave, a frustração é maior exatamente porque o drama central hoje é o enorme descompasso entre a velocidade, a irreversibilidade e a urgência da mudança econômica doméstica ou global, de um lado, e a capacidade das instituições de acompanharem esse desafio no ritmo adequado.
Quanto maior o descompasso, quanto mais grave a arritmia entre economia e instituições, maior o número de vítimas -empresários e trabalhadores- nos mais diversos setores econômicos.
O protesto dos empresários coincide também com um momento de frustração mais ampla das expectativas com relação ao governo Fernando Henrique Cardoso, como revelou pesquisa Datafolha publicada no último fim-de-semana.
É aliás provável que as expectativas de mudança, em termos de conteúdo e ritmo, fossem exageradas. Mas dar-se conta disso naturalmente não é suficiente para mudar o quadro.
Brasília, hoje, está com as defesas debilitadas. Há um problema estrutural grave, uma arritmia no coração da nação. É também um momento propício ao ataque de vírus oportunistas. Gente que aproveitará a fumaça e a poeira para fazer fogo e confundir, pedindo proteção, aceitando "alguma" inflação, sugerindo a manutenção ou a reedição de privilégios ou até mesmo invocando o Estado contra o mercado.
Há dois perigos fundamentais. Um é ceder à tentação de reverter o modelo atual e naufragar na volta da inflação. Outro é acreditar que a culpa é deste ou daquele burocrata, deste ou daquele ministério ou poder, como se por milagre alguém ou alguma instituição, como "Deus ex machina", pudesse relançar o país numa rota sem custos ou desafios.
Não há milagres. A estabilização tem custos e impõe desafios. Mas será tudo inútil se, mais uma vez, a sociedade brasileira mostrar-se incapaz de sincronizar o movimento de transformação da economia e das suas instituições.

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