São Paulo, quinta-feira, 23 de maio de 1996
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A luz no fim do túnel

MOACYR SCLIAR

Eu sei, senhor delegado, que as circunstâncias depõem contra nós. O senhor vem à nossa cela, encontra um buraco no chão, e depois um túnel de vários metros -o que pode o senhor pensar? Que queríamos fugir, claro. Não é de estranhar. Com todas essas fugas que estão ocorrendo, o senhor só poderia pensar assim. É humano. Eu, no seu lugar, suporia mesma coisa.
Mas eu lhe peço, senhor delegado, que o senhor faça um esforço. Deixe o preconceito de lado, senhor delegado, é o seguinte: nós não queríamos fugir. Queríamos, e queremos, cumprir honestamente a nossa pena. Mas e o túnel, o senhor perguntará, para que serve o túnel, então? E eu lhe respondo: o túnel, senhor delegado, não nos conduziria à fuga, mas sim -mediante trabalho honrado e profícuo- à nossa realização pessoal. À nossa redenção, social, econômica, espiritual.
O que nós queríamos, senhor delegado, e queremos, é construir um metrô. Um metrô nosso, particular. Acreditamos que há lugar para isto, na nova realidade do país. Metrôs privados, explorados por homens de visão. Veja o senhor que nessa região o transporte coletivo é extremamente precário. Por outro lado, o poder público não tem demonstrado interesse maior em resolver o problema. Nós, porém, acreditamos sinceramente que uma linha de metrô, ainda que não muito longa -afinal, nos faltam instrumentos apropriados para escavação- viria ao encontro das aspirações da população local. E, assim pensando, pusemos mãos à obra. Nosso plano era, e é, simples: uma vez cavado o túnel, não seria difícil interessar a uma empresa nacional ou mesmo internacional que fornecesse os vagões, o equipamento para as estações, enfim, tudo o que estaria faltando. E em breve estaríamos ricos, senhor delegado. Teríamos passado da categoria de delinquentes para a de arrojados empreendedores.
Era essa a nossa visão do futuro, senhor delegado. Essa era a luz que víamos no fim do túnel. O senhor pode acreditar ou não, senhor delegado. Nós até pensamos em lhe convidar para ser nosso sócio. A resposta depende do senhor, depende da sua visão. Há alguns que vêem no túnel apenas a escuridão. Outros vêem nele a luzinha que se transformará na luz radiante do progresso. Depende do senhor a escolha.

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