São Paulo, quinta-feira, 23 de maio de 1996
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A problemática valorização do Real - 3

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Ao discorrer sobre as dificuldades de comunicação dos acadêmicos, o historiador inglês A.J.P. Taylor comentou certa vez que "muitos historiadores esquecem que uma razão para escrever um livro é que alguém chegue a lê-lo".
A julgar pelas reclamações de amigos e conhecidos, a observação se aplica, guardadas as proporções, aos artigos que publiquei neste espaço nas semanas passada e retrasada.
Neste terceiro e último artigo da série, vou procurar ser mais claro.
Dos artigos anteriores basta reter o seguinte: apesar das várias dificuldades técnicas sempre presentes em discussões sobre política cambial, os números brasileiros recentes mostram claramente uma substancial valorização da taxa de câmbio com consequências graves em termos de perda de competitividade das empresas brasileiras.
Se é assim, e se a equipe econômica não é composta de ignorantes, nem está inteiramente dominada por uma inflexibilidade dogmática, por que demora tanto para corrigir essa distorção?
A razão usualmente alegada é que uma correção cambial provocaria o descontrole da inflação. Propagada a sete ventos, e sem qualificações, pelo governo e por muitos "formadores de opinião", essa suposição virou uma espécie de peça de resistência do discurso econômico dominante.
É verdade que a desvalorização cambial eleva os preços em moeda nacional dos produtos comerciáveis internacionalmente (importados e exportados). Mas esse elemento de verdade tem servido de base para muito exagero.
Desde a criação do real, a única desvalorização significativa ocorreu em março de 1995, quando o preço do dólar subiu 5,7% em termos nominais.
Como seria de se esperar, a taxa mensal de inflação aumentou, mas não na proporção da desvalorização ocorrida.
O índice de preços ao consumidor do IBGE (INPC), por exemplo, passou de 1% em fevereiro para 1,6% em março e 2,5% em abril. Os demais índices registraram comportamento semelhante.
Daí em diante, o câmbio foi informalmente reindexado, fato que não impediu que as taxas de inflação voltassem a apresentar uma tendência geral de queda.
O efeito limitado do câmbio sobre a inflação pode ser atribuído a três fatores, pelo menos.
Primeiro: como costuma acontecer em países de proporções continentais, o grau de abertura da economia brasileira é relativamente pequeno. Por isso, os produtos comerciáveis internacionalmente pesam relativamente pouco nos índices de preços ao consumidor.
Segundo: ao contrário do que ocorreu em outros países (Argentina, por exemplo), no Brasil o grau de dolarização dos preços dos produtos não-comerciáveis internacionalmente sempre foi bastante limitado.
Finalmente, com os avanços do Plano Real em matéria de desindexação da economia, cabe presumir que tenha aumentado a possibilidade de promover a correção de preços relativos, como câmbio ou tarifas públicas, sem afetar de modo duradouro a taxa de inflação.
A relutância em modificar a política cambial decorre essencialmente dos seus impactos financeiros e, em especial, da resistência dos interesses internos e externos que vêm faturando com a combinação de câmbio sobrevalorizado e juros extravagantes.
Em momentos de inspiração retórica, o ministro Pedro Malan costuma referir-se ao "partido da moeda fraca", isto é, aos setores da sociedade brasileira que bloqueiam a consolidação fiscal do programa de combate à inflação, pedem redução dos juros, correção do câmbio etc.
Pois bem, também existe um "partido da moeda forte", provavelmente mais influente: um conjunto de interesses financeiros que contribui para manter o câmbio artificialmente valorizado.
É a estabilidade da política cambial que torna factível lucrar com a diferença entre os juros internos e os juros internacionais.
E esses ganhos com operações externas têm contribuído para sustentar a lucratividade de bancos e outros intermediários financeiros, substituindo os ganhos inflacionários.
Por outro lado, empresas de grande porte, fugindo do crédito interno caro e escasso, foram levadas a dolarizar os seus passivos. Muitas delas não querem agora nem ouvir falar em desvalorização cambial.
Da ótica do governo, o estímulo continuado ao aporte de capitais externos especulativos é essencial para cobrir os déficits externos e para assegurar os refinanciamento dos passivos internacionais de curto prazo que dão sustentação às reservas do Banco Central.
Fecha-se, assim, o círculo vicioso: os desequilíbrios externos engendrados pela política cambial e os interesses financeiros que crescem à sua sombra vão tornando progressivamente mais difícil a correção da sobrevalorização.
E quem paga o pato são os setores produtivos da economia, em especial as pequenas e médias empresas nacionais e os trabalhadores que vão perdendo os empregos destruídos pelos juros altos e pela persistente sobrevalorização do real.

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