São Paulo, quinta-feira, 23 de maio de 1996
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Kenneth Branagh volta a viver à sombra de Shakespeare

ELAINE GUERINI
]DA REPORTAGEM LOCAL

Kenneth Branagh, 35, não se cansa de encarnar tipos imortalizados por Shakespeare. O ator irlandês vive o maquiavélico Iago em "Othello" e prepara sua versão hitchcockiana de "Hamlet".
Em "Othello", que estréia amanhã em São Paulo, Branagh não se reveza nas funções de ator e diretor -como fez em "Henrique V" e "Muito Barulho por Nada". Desta vez, quem comanda o trabalho é o estreante Oliver Parker.
Iago é o primeiro vilão de Branagh nas telas. A trama se desenrola a partir de um plano diabólico que ele arma contra Laurence Fishburne -o primeiro Othello negro do cinema- e Irène Jacob, que interpreta Desdêmona.
"A tragédia doméstica de Shakespeare tornou-se um thriller erótico", disse o ator, em entrevista exclusiva à Folha, concedida por telefone, de Cannes.
Branagh concluiu há um mês as filmagens de "Hamlet". Nessa quarta versão cinematográfica do clássico, ele retoma a direção e interpreta o protagonista com os cabelos loiros. "Tingir foi um pesadelo. Parecia que a minha cabeça estava fritando."
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Folha - Como foi atuar em uma adaptação de Shakespeare sem estar no comando ("Othello")?
Branagh - Foi um alívio. Nós filmamos na Itália, ao norte de Roma, e eu pude aproveitar a paisagem, o vinho, a massa e o clima. Enquanto Oliver Parker estava envolvido em todo o processo, eu ficava sentado na minha cadeira, tomando café e lendo jornal. Na época, eu precisava mesmo de férias. Folha - Como se sentiu ao ser dirigido por um estreante?
Branagh - A inexperiência de Parker não fez diferença. Antes de "Othello", ele já havia dirigido três curtas e tinha experiência como ator. No início, ele foi honesto e disse que se sentia desconfortável para trabalhar comigo. Temia que eu interferisse na direção, principalmente pela minha experiência na adaptação de textos de Shakespeare. Mas isso nunca aconteceu. Folha - Foi divertido viver um personagem tão diabólico?
Branagh - Sim. Papéis como esse permitem que você use o que há de pior em você. Para mim, foi um desafio. Tive que pesquisar muito antes de representá-lo. Tentei descobrir o motivo que leva uma pessoa a fazer coisas tão terríveis. Acho que, no fundo, ela só quer saber qual é a sensação.
Folha - O que diferencia a sua versão de "Hamlet" das anteriores, principalmente da última, com Mel Gibson no papel-título?
Branagh - Minha versão é puro suspense. Busquei inspiração em filmes de Alfred Hitchcock. Logo no início, a primeira fala é "quem está aí?", vinda de uma pessoa absolutamente amedrontada do lado de fora de um palácio.
O filme tem ação. Mas nunca gratuita. Provavelmente tivemos mais dinheiro que as outras adaptações. Usamos US$ 18 milhões, mas a impressão que se tem é que foram gastos US$ 100 milhões. O nosso "Hamlet" é um filme como nunca se viu. Não esperamos do público uma reação de quem simplesmente toma um remédio.
Folha - O que o levou a se especializar em Shakespeare nas telas? Branagh - Shakespeare foi um cara extraordinário. Encaro como uma missão passar adiante meu entusiasmo com o seu trabalho.
Eu vim de uma família de classe operária. Ninguém da minha família teve chance de ver uma peça de Shakespeare. A minha casa não tinha nem livros. Não existe qualquer razão para eu me sentir tão atraído pelo seu trabalho. Faço adaptações de seus textos para que pessoas como os meus pais possam conhecer. Tento tornar sua obra acessível a todos que pensam que Shakespeare é maçante.
Folha - Pensa em voltar a atuar com Emma Thompson?
Branagh - Não temos um plano específico, mas pensamos em fazer um filme nos próximos anos.

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