São Paulo, sexta-feira, 24 de maio de 1996
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De ganho em ganho, os ruralistas vão perder

MAILSON DA NÓBREGA

A vitória dos ruralistas em mais uma investida sobre o governo teve inegável papel na derrota da votação sobre a reforma da Previdência. Eles atiçaram, como se viu, outros grupos corporativistas.
Estava na cara que isso poderia acontecer. A fotografia daqueles senhores saindo do Palácio do Planalto, estampada mais de uma vez nesta Folha, era demais: sorridentes, descontraídos e triunfantes, pareciam indicar que sob chantagem o governo cedia.
Com mais de um terço dos votos na Câmara, os ruralistas têm poder para inviabilizar a estabilização da economia.
Somados aos membros dos partidos de oposição, que votam habitualmente contra o governo, podem bloquear qualquer projeto de reforma.
São a fina flor do atraso nas idéias, no comportamento e na organização.
Nas idéias, são prisioneiros do pensamento vigente dos anos 30 aos 70, segundo o qual o desenvolvimento da agricultura dependia essencialmente do crédito rural subsidiado.
De fato, antes da exaustão do nacional-desenvolvimentismo e do colapso das finanças da União, o crédito rural constituiu a alavanca básica do crescimento da agricultura.
Estimulada pelo crédito farto e barato do governo, a agricultura crescia com baixo nível de produtividade e praticamente sem pesquisa, ensino ou extensão rural.
Com o tempo, a fragilidade do sistema de crédito rural tornou-se evidente. Ficou claro também o primitivismo de seu arranjo institucional, baseado no orçamento monetário.
O sistema desmoronou em meio à crise, sem que se pudesse construir algo em seu lugar. Somente agora, com o advento da cédula do produto rural, surge uma janela para a solução definitiva do problema.
No comportamento, marcado por desabrido clientelismo, os ruralistas inibem o desenvolvimento político do país.
Seu poder não deriva de ideais ou programas, mas da capacidade de encurralar o governo em votações cruciais.
Muito mais numerosos do que qualquer partido político no Congresso, os ruralistas são politicamente retrógrados, a exemplo de outros grupos corporativistas.
Sua atuação nega a existência dos partidos, que são um mecanismo superior de intermediação de interesses da sociedade.
É certo que tais grupos também existem em outros países. O Congresso americano tem o "rural caucus", que vez por outra barganha com seus votos. Funcionam, todavia, dentro dos partidos. No Brasil, ao contrário, o grupo é extrapartidário.
A ação dos ruralistas encerra um lado positivo. Eles têm agora de agir às claras, submetendo-se ao crivo da opinião pública e de uma imprensa vigilante.
No passado, o poder desse grupo -alguns ainda presentes na atual bancada- era exercido às escuras, nos corredores dos ministérios, do Banco do Brasil e do Banco Central.
Com a democratização e o fim do orçamento monetário, tiveram que pôr a cabeça no parapeito. Agora estão visíveis. Podem ser atacados. Forma-se, aos poucos, uma força social contrária a eles.
Os ruralistas vêm sendo estudados pela área acadêmica. Já são objeto de discussão em seminários de ciência política e se tornam crescentemente conhecidos de analistas da economia e do grande público.
Condenar seu modo de agir não significa, entretanto, desconhecer os problemas que os agricultores têm enfrentado ultimamente.
Trata-se de mostrar que sua estratégia termina sendo prejudicial à economia brasileira e, por extensão, à própria agricultura. A defesa que fazem deles próprios, de que exercem uma função nobre, resulta de desinformação e interesse eleitoral.
Felizmente, tal qual os que se distanciaram da evolução econômica, social e política dos seus concidadãos, a bancada ruralista está fadada a perder força. No futuro, será lembrada apenas na triste crônica de nosso subdesenvolvimento político.
O tempo derrotará os ruralistas. A sociedade criará formas institucionais para inibir sua ação deletéria, a influência negativa que exercem e as soberbas caminhadas pelas calçadas do Palácio do Planalto.

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