São Paulo, sábado, 25 de maio de 1996
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Comédia 'Arsênico e Alfazema' volta no tempo

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

"Arsênico e Alfazema" é aquilo que o teatro e o cinema chamavam de "screwball comedy", meio século atrás.
Uma comédia em que as personagens agem de maneira muito estranha, e hilariante. E uma comédia de diálogos, popularizada com a importação dos melhores autores da Broadway por Hollywood, nos anos 30.
Eram as comédias de Katherine Hepburn, de James Stewart, Cary Grant. O último foi quem protagonizou no cinema "Arsênico e Alfazema" (Arsenic and Old Lace, 1944), com direção de Frank Capra. Comédias que ainda deliciam, sábado à noite na Cultura.
Comédias de um outro tempo, a bem da verdade. "Arsênico e Alfazema", em cartaz no João Caetano, é a prova. Cenário, figurino, as interpretações, nada é contemporâneo.
Estamos de volta a 1941, quando a peça de Joseph Kesselring estreou em Nova York, com Boris Karloff interpretando uma paródia de si mesmo, como o temível Jonathan Brewster. Ou ainda, de volta a 1949, quando Cacilda Becker estreou como a tia Abby em São Paulo, dirigida pelo italiano Adolfo Celi.
Tanto é assim que a apresentação demora a ganhar ritmo. Ilana Kaplan e Patrícia Gaspar, que fazem as irmãs Martha e Abby Brewster, respectivamente, demoram a encontrar a sintonia da comédia.
Comediantes da melhor tradição brasileira, uma tradição de cacos e comunicação direta com a platéia, parecem ter certa dificuldade -inicial- com o humor verbal, "screwball". Mas logo vem a ação e põe a apresentação em andamento.
A trama: Martha e Abby são velhinhas que resolveram aliviar as vidas dos velhinhos solitários, envenenando-os. São tias de Mortimer, um crítico "assassino" de teatro ("dizem que nós, críticos, estamos assassinando o teatro"), e Jonathan, um assassino de verdade, em fuga, que está sempre mudando o rosto com operações plásticas ("você sempre foi um monstro, mas precisava ter a cara de um?"). Mortimer, no cinema, foi interpretado por Cary Grant; Jonathan, no teatro, por Boris Karloff.
Martha e Abby, quando começa o espetáculo, já mataram 12 velhinhos, o mais recente ainda não enterrado no porão. É quando chega Jonathan, carregando ele próprio um cadáver recente.
As confusões que se seguem, com os dois corpos, as duas tias assassinas, os três irmãos (um terceiro, Teddy Brewster, pensa que é o presidente americano Theodore Roosevelt) é de uma ação farsesca vertiginosa. E o que de início enfrentou problemas de sintonia é levado de roldão.
Crescem então as atuações, não apenas de Patrícia Gaspar -de reflexo perfeito nas "one-liners", nas frases de efeito- e de Ilana Kaplan -melhor no humor gestual, na fisionomia-, mas também de Renato Caldas, Rodrigo Lopez e Henrique Stroeter.
O primeiro é um Mortimer sem a parvoíce charmosa de um Cary Grant, nem seria possível, mas de respostas corretas ao jogo de erros à sua volta. O segundo, que faz Jonathan, não chega a ser minimamente temível, mas convence na paródia.
O terceiro, que faz o Sargento O'Hara e uma personagem secundária, Gibbs, responde pelo que é talvez o momento mais engraçado da montagem: a interminável descrição de sua peça de teatro, com a qual tenta impressionar o crítico de teatro e acaba fazendo todos dormir, até o assassino Jonathan.
Encenada por um ator, por um comediante, Roney Facchini, "Arsênico e Alfazema" alcança assim a união esperada entre texto e interpretação. É a regra, em espetáculos dirigidos por atores.
Mas, também como regra em montagens assim, um conservadorismo desmedido trespassa o espetáculo, em tudo, até a interpretação.
É como se a resposta ao teatro recente, de imagens, de atuações automatizadas, fosse o teatrão, o TBC, até no mofo dos figurinos e da cenografia.

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