São Paulo, domingo, 26 de maio de 1996
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Verba de Tóquio é 19 vezes a de SP

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Yukio Aoshima tem 63 anos. Paulo Maluf tem 64 anos. Essa quase coincidência nas idades é a única entre os prefeitos de Tóquio e de São Paulo.
Tóquio (orçamento anual de US$ 121,7 bilhões) e São Paulo (orçamento anual de US$ 6,5 bilhões) estão em estágios completamente diferentes de desenvolvimento.
O prefeito de Tóquio, Aoshima, um ex-cantor e ex-ator de TV, pensa em manter as condições de vida já conquistadas.
Em 70, Tóquio tinha 5,2% de sua população com idades acima de 65 anos. Hoje, o percentual pulou para 12,8%. Todos recebem, gratuitamente, atendimento médico em casa, 24 horas por dia.
"No início do século 21, a população de Tóquio poderá ter 25% de pessoas idosas. Isso coloca em risco a manutenção dos benefícios obtidos até o momento", disse Aoshima à Folha.
Já para Maluf, um engenheiro que é prefeito pela segunda vez de São Paulo, a preocupação é outra. Acabar com as favelas da cidade, por exemplo. Para isso, constrói apartamentos no seu Projeto Cingapura. Com 47 metros quadrados, as unidades são um modelo do qual Tóquio hoje quer fugir.
Aoshima respondeu à Folha em 13 páginas de papel tamanho A-4. Escritas em ideogramas kanji -o prefeito só fala japonês-, as formulações do toquiota vieram repletas de números.
Maluf falou por 40 minutos ao telefone. O paulistano acha que o futuro de São Paulo é dar mais autonomia para os bairros, "interligados por grandes avenidas" que ele está construíndo.
Aoshima considera um problema o "distanciamento entre a área residencial e a de trabalho" nas grandes metrópoles. Para ele, isso resulta numa "falta de tempo para as pessoas". Humanista, completa: "Isso reduz os laços dentro da comunidade local".
As mesmas perguntas foram feitas para os dois prefeitos. A seguir, os principais trechos das duas entrevistas:

Folha - Quais são os principais problemas enfrentados atualmente por suas cidades?
Yukio Aoshima - A falta e a qualidade da moradia ainda são problemas em Tóquio. Também, o desemprego.
Em relação ao futuro, temos incertezas quanto à velhice e uma fragilidade de infra-estrutura da capital em relação a terremotos de grandes proporções.
Paulo Maluf - O principal problema é que Tóquio tem mais de 1.000 anos e São Paulo começou a existir de fato há apenas 50 anos. A Grande São Paulo tinha cerca de 1 milhão de habitantes nos anos 40. Hoje, tem entre 17 e 18 milhões. Nós adicionamos, em população o equivalente a meia Argentina ou cinco Paraguais.
Esse crescimento populacional obriga a cidade a fazer investimentos fabulosos em infra-estrutura. Investimentos que cidades como Tóquio fizeram há muito mais tempo e ao longo de muito mais tempo.
Folha - Como a sua administração enfrenta esses problemas?
Aoshima - Criamos um plano em novembro passado. Chama-se "Plano Tóquio 95 - Visando uma metrópole para a Convivência", com metas para o ano 2000.
Uma das prioridades máximas, por exemplo, é com idosos. Fornecemos gratuitamente o atendimento 24 horas em domicílio, elevando o nível do seu bem estar social. Está em curso também a reforma de infra-estrutura para torná-la mais resistente a terremotos e incêndios.
Maluf - Estou fazendo a infra-estrutura da cidade. Quando era prefeito em 1970, a cidade tinha 500 mil carros. Hoje, tem 4,5 milhões. Fora as avenidas, os túneis e os viadutos que o Maluf construiu, quase ninguém fez nada nesta cidade.
Folha - Como o sr. descreveria a segurança em sua cidade?
Aoshima - A segurança em Tóquio está a cargo da Polícia Metropolitana. Temos um efetivo de aproximadamente 40 mil policiais. É difícil encontrar uma metrópole com tantos postos policiais como Tóquio. A segurança e a tranquilidade dos cidadãos é assegurada por cem delegacias e cerca de 1.200 postos e subdelegacias.
Em 1985, foram registrados 228.323 crimes contra o código penal em Tóquio. No ano passado, o número foi de 235.325.
Apesar do aumento em relação a dez anos atrás, houve uma queda significativa comparando com 1994, quando foram registrados 245.840 crimes na cidade. Além disso, efetuamos a prisão dos responsáveis por cerca de 80% desses crimes.
Maluf - Infelizmente, a segurança não está com o prefeito. E deveria estar. Eu tenho a Guarda Civil Metropolitana. Eram 1.700 mil homens quando assumi. Hoje são 5.000. Já tenho concurso para contratar mais 6.000. Mas, por um problema legal, essa guarda só pode cuidar de prédios públicos da Prefeitura. A segurança fica a cargo da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Estimo que eles tenham um efetivo de 80 mil para o Estado, sendo que 30 mil alocados em São Paulo.
Folha - Qual a situação do sistema habitacional de suas cidades?
Aoshima - No momento, o número de residências tem ultrapassado o número de famílias, resolvendo o problema numérico de moradia. Mas persistem alguns problemas. Há muitas residências com baixo nível de qualidade em termos de espaço. Temos um número insuficiente de residências adaptadas aos idosos, para que pessoas com mais de 60 ou 70 anos possam viver com tranquilidade.
Há, também, áreas com concentração de residências antigas de madeira. Isso representa risco de incêndios e acidentes.
Também nos preocupa a falta de tempo para as pessoas por causa do distanciamento entre áreas residenciais e de trabalho. Isso reduz os laços dentro da comunidade local, como consequência da redução da população dos 23 bairros da metrópole.
Maluf - Aqueles que vieram do Nordeste, com cinco, seis, sete filhos, sem uma profissão, sem uma especialidades, não têm alternativa. Não vão morar na favela porque quis. É a única opção. E a favela se tornou, do aspecto urbanístico, algo que não condiz com uma cidade moderna.
Então criei o projeto Cingapura, que não é a remoção do favelado. É a adaptação do favelado, tornando-o cidadão, com a sua propriedade no lugar onde ele morava anteriormente.
Já entreguei 2.500 unidades. Entrego mais 7.500 nos próximos três meses. São prédios de quatro andares, com apartamentos de 47 metros quadrados. Todos têm dois dormitórios, uma sala boa que pode ser de noite um terceiro dormitório, banheiro, cozinha muito boa e uma área de serviço.
Folha - Tóquio e São Paulo têm ruas estreitas. Isso causa congestionamentos. Qual a saída?
Aoshima - Fortalecemos os transportes coletivos, como o metrô. Para os carros particulares, criamos faixas de escoamento para a direita e para a esquerda nos cruzamentos. Também estamos priorizando a construção de novos estacionamentos, em áreas específicas, com a finalidade de se reduzir o estacionamento ao longo do meio-fio.
Em fevereiro de 1995, introduzimos um novo sistema de controle de tráfego computadorizado, que é o maior do mundo na atualidade. Isso permite controlar a sinalização de acordo com o fluxo de tráfego, informando as condições de tráfego em tempo real aos motoristas.
Maluf - Desde a fundação da cidade, São Paulo tinha dois túneis: os da avenida 9 de Julho. Eu construí oito túneis. Se não fossem os túneis, os corredores de ônibus e as avenidas novas abertas, São Paulo estaria sem condições para se andar, seja de ônibus ou de automóvel.
Estou instalando cerca de 1.300 semáforos inteligentes, que vão custar US$ 80 milhões.
Folha - O que é prioridade na sua administração?
Aoshima - Tenho uma posição sistematizada em três pontos: 1) fazer uma política que possa oferecer uma convivência feliz, segurança e esperança para os habitantes; 2) não permitir o uso indevido de nenhum centavo obtido com tributos; 3) fazer uma administração transparente.
Maluf - Eu criei o PAS, Plano de Atendimento à Saúde. É um plano de atendimento ao pobre. A prefeitura paga o plano. O médico ganha mais se trabalhar. Se não trabalhar, não ganha. Os gastos com saúde pública foram os maiores no meu orçamento.
Folha - Qual é, para os srs., o futuro de grandes metrópoles?
Aoshima - Um problema grave é a distância entre a área residencial e a de trabalho. Isso piora as condições de trânsito. E faz empobrecer a vida dos 23 bairros de Tóquio. Como se prevê, já no início do século 21, a população de Tóquio poderá ter 25% de pessoas consideradas idosas.
Maluf - Uma cidade como São Paulo é governável porque é formada, na verdade, por diversos bairros-cidade. Eu sei de gente que mora em Santana e que nunca saiu para Santo Amaro.
Eu vou lhe contar uma história. Eu morei a minha vida toda na zona sul. Minha filha mais velha, Lígia, tinha 17 anos. Um dia de Natal, eu saí pela avenida 9 de Julho e entrei no Anhangabaú. E ela me perguntou: "Que bairro é esse, papai?" Eu disse que era o centro da cidade. "Puxa, que bonito, eu nunca estive aqui", ela respondeu.
Eu vejo a cidade funcionando com seus bairros-cidades, quase independentes, interligados por grandes avenidas. É o caminho.
Folha - Os srs. têm dados sobre suicídio nas cidades de Tóquio e São Paulo?
Aoshima - Em Tóquio, no ano de 1994, a taxa de suicídio foi de 16,1 por 100 mil habitantes, mais baixa que os 16,9 da média nacional. Ainda assim é a terceira maior média municipal do país. Estamos melhores apenas que Osaka (18,8) e Kitakyushu (19,4). O nível mais baixo é em Ichikawa, com 12.
Maluf - Não tenho dados. Isso pode ser encontrado com a polícia.
Folha - Qual o apoio à educação nas suas cidades?
Aoshima - Em Tóquio, há um grande número de escolas privadas. Para o segundo grau, temos 222 escolas públicas e 242 escolas privadas. No pré-escolar, há 283 públicas contra 961 particulares, segundo dados de 1995.
Neste ano, o orçamento para apoio financeiro às escolas particulares é de US$ 1,458 bilhão.
Damos subsídios para as escolas particulares. No caso de pré-escola e primeio grau, o dinheiro cobre parte das despesas correntes diretas das escolas. Para as instituições de segundo grau, ajudamos também a financiar as mensalidades dos alunos, como forma de diminuir o impacto para os pais.
Maluf - Nas 800 escolas do município, comprados equipamentos de informática para 260 delas. Cada uma recebeu 30 microcomputadores. Isso nos obrigou a fazer alguma reforma na escola, pois o micro tem de ficar quase dentro de um cofre.
Folha - Qual o nível salarial dos professores das escolas municipais?
Aoshima - O nível médio de salário (incluindo ajuda de custo e comissões) de professores de primário e o equivalente ao ginásio das escolas públicas de Tóquio era de US$ 4.529. A idade média do professor é de 41,6 anos, segundo dados de abril de 1994. Na mesma época, os servidores públicos de Tóquio recebiam US$ 4.400.
Esses salários estão compatíveis com outras atividades da iniciativa privada. Por exemplo, um trabalhador na área de construção civil ganha, em média, US$ 4.285 por mês. Um bancário recebe salário mensal médio de US$ 5.471. Nas fábricas de manufaturados, o salário médio é de US$ 3.739.
Maluf - Os professores municipais têm um salário inicial, o mais baixo, para 40 horas de trabalho, de R$ 520. O nível mais alto na carreira pode chegar a R$ 4.000. Na média, eu não tenho o número exato, o salário deve estar em torno de R$ 1.800.
Folha - Qual o valor do orçamento anual das duas cidades?
Aoshima - O orçamento de Tóquio em 1996 foi de US$ 121,7 bilhões. No ano anterior havia sido de US$ 126,1 bilhões, representando uma queda de 3,5%. O aumento de Tóquio deste ano equivale a 16,2% do orçamento total do Japão, que é de US$ 751,1 bilhões
Maluf - No ano passado, o orçamento de São Paulo foi de US$ 5 bilhões. Neste ano, é de US$ 6,5 bilhões. Isso equivale a 2,1% do orçamento da União. É o terceiro maior orçamento do país, na frente do Estado do Rio de Janeiro.
Folha - Quais são os principais itens do orçamento da sua cidade?
Aoshima - O maior item de gastos no nosso orçamento é de US$ 11,608 bilhões com educação e cultura. Em segundo vem a área de infra-estrutura, que inclui obras urbanas, com US$ 10,510 bilhões. Quando digo que esses são os maiores itens, estou descontando a parte destinada a empresas estatais, que é de US$ 23,9 bilhões.
Maluf - Neste ano, as maiores verbas foram, na seguinte ordem: saúde pública, educação, obras, transporte coletivo e habitação.
Folha - Em Tóquio há um grande contingente de dekasseguis (brasileiros de origem japonesa). Como o governo encara a situação?
Aoshima - Dos estrangeiros que vivem e trabalham em Tóquio, 10,7% são descendentes de japoneses, o que chamamos de nikkey. No restante do país, esse percentual é maior, subindo para 59,5%.
Ainda assim, a maioria dos 6% brasileiros que trabalham em Tóquio é de nikkeys. Temos o Centro de Serviços de Emprego de Nikkeys, fundado em agosto de 91. No centro, o atendimento é feito em vários idiomas, inclusive em português. Nosso objetivo é evitar oferta de trabalho ilegal.

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