São Paulo, domingo, 26 de maio de 1996
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A via dos insensatos

SANDRA STARLING

Cerca de um mês antes da comemoração do 1º de Maio, FHC enviou ao Congresso um projeto de lei sobre o contrato de trabalho por tempo determinado. Na justificativa do Ministério do Trabalho, afirma-se que o objetivo do projeto é o de gerar empregos e manter "incólume os direitos dos trabalhadores" (sic!). Seria cômico se não fosse sério.
Em primeiro lugar, é necessário deixar bem claro que o Brasil possui um dos mercados de trabalho mais flexíveis do mundo e o custo da nossa mão-de-obra, incluindo os encargos, é baixíssimo. Com efeito, cerca de 50% da população economicamente ativa brasileira está inserida no setor informal e as taxas de rotatividade aqui predominantes estão entre as maiores do mundo. Os salários aqui se situam nos mais baixos patamares internacionais.
Enquanto, na Alemanha, o custo da mão-de-obra por hora trabalhada na indústria de transformação é de US$ 21,30 e, na Itália, de US$ 16,29, no Brasil é de apenas US$ 2,79. Já o número usualmente apresentado do peso teórico dos encargos sociais sobre a folha de salários (102%) é absolutamente falso, pois nesse cálculo estão incluídos salários indiretos que não são recebidos mensalmente, tais como o 13º e férias. Na realidade, os encargos sociais são constituídos pelo recolhimento do INSS (20%), o salário educação (2,5%) e o seguro de acidente de trabalho (2%). Assim sendo, eles somam apenas 24,5%.
Em segundo lugar, todos os países que flexibilizaram seus mercados de trabalho e diminuíram os custos de contratação e demissão não conseguiram reduzir as taxas de desemprego. A Inglaterra, que John Major herdou do período Thatcher, convive hoje com taxas de desocupação ao redor de 12%. A Argentina, que trilhou o mesmo caminho insensato, tem taxas de desemprego que já alcançaram a estratosférica cifra de 20%.
Entretanto o pior é que "a flexibilização do mercado de trabalho" (eufemismo para a redução dos direitos trabalhistas), além de não resolver a questão do desemprego, cria sérios problemas sociais. De um modo geral, a diminuição da proteção legal trabalhista tende a segmentar o mercado de trabalho, distanciando trabalhadores menos dos mais qualificados e pequenas das grandes empresas. O resultado inexorável é o aumento da dispersão salarial e da concentração da renda.
O argumento, esgrimido pelo governo, de que as empresas não poderão abusar do contrato temporário porque os acordos teriam que contar com o aval dos sindicatos é ridículo. O Plano Real está mergulhando o país em uma profunda recessão e, nessas circunstâncias, os sindicatos encontrarão sérias dificuldades para enfrentar as pressões das empresas no sentido de eternizar tal mecanismo. A tendência, por conseguinte, é do contrato temporário se tornar definitivo.
Essa iniciativa do Ministério do Trabalho está sinalizando que a estratégia do governo FHC para aumentar a competitividade brasileira no mercado internacional é a do rebaixamento do nosso já mínimo custo de mão-de-obra. Isso torna sem sentido o programa de qualificação profissional recentemente anunciado pelo Executivo. Se depender do governo FHC, o nosso destino é exportar matérias-primas e produtos semimanufaturados de baixa tecnologia a preço de banana.
O PT acredita que o Brasil deve trilhar uma via semelhante à de nações como o Japão e a Alemanha, que investem maciçamente em educação básica e qualificação profissional e que não flexibilizaram os mercados de trabalho. Já o insensato governo FHC parece querer que o Brasil, ao reduzir seus custos de mão-de-obra, possa fazer concorrência à China, onde os salários industriais não ultrapassam US$ 40. Será que o próximo passo do Executivo vai ser reinstituir o trabalho escravo?

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