São Paulo, quinta-feira, 30 de maio de 1996
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Propaganda e fatos na PEC 233

IVAN VALENTE; ESTHER PILLAR GROSSI; PEDRO WILSON

Não existe escola de qualidade que custe R$ 25 por aluno/mês ou professor valorizado com salário médio de R$ 300
IVAN VALENTE, ESTHER PILLAR GROSSI
e PEDRO WILSON
A tramitação na Câmara dos Deputados do projeto do governo FHC para o ensino fundamental, na forma de uma proposta de emenda constitucional -PEC 233-, tem sido objeto de muita propaganda, mas pouco é conhecida pela sociedade.
Afirmando ser prioridade da atual gestão o ensino fundamental (1ª à 8ª série), o coração dessa PEC é a criação de fundos estaduais que destinarão a esse nível de ensino 60% das verbas que o artigo 212 da Constituição determina que Estados e municípios gastem (o mínimo de 25% da arrecadação com impostos) com a manutenção e desenvolvimento do ensino. Com isso, o governo diz pretender garantir R$ 300 como gasto mínimo por aluno/ano, bem como um salário nacional médio de R$ 300 por turno de 20 horas semanais aos professores. O MEC estima que desembolsará, anualmente, R$ 870 milhões para suplementar os fundos que não atingirem o gasto mínimo por aluno previsto.
Podemos afirmar com certeza que não existe escola de qualidade que custe míseros R$ 25 por aluno/mês nem professor valorizado com um salário nacional médio de R$ 300. Com essa proposta, o máximo que se faz é socializar a miséria no ensino fundamental. Ademais, o que é apresentado como um avanço é na verdade um retrocesso, mesmo em termos aritméticos. Basta ver que: a) esse é um valor menor do que a despesa nacional "per capita" de 1991 (ano em que Collor e a recessão derrubaram substancialmente as receitas tributárias) com educação básica, calculada pelo Ipea em R$ 364; b) pelos cálculos da CNTE, o gasto potencial nacional "per capita" no ensino fundamental hoje já está na casa dos R$ 621,55.
Mas os prejuízos não ficam aí: como os fundos retiram dinheiro dos municípios, aqueles que já priorizam os ensinos infantil e fundamental terão menos verbas, piorando o atendimento que oferecem. De outro lado, o ensino médio, que é assumido pelos Estados, conhecerá uma aceleração na deterioração da qualidade, uma vez que parte das verbas (que não serão ampliadas) será alocada no ensino fundamental. A propósito, somente 39% dos nossos jovens em idade de frequentar esse nível de ensino estão matriculados.
O objetivo de erradicar o analfabetismo no projeto original do governo foi abandonado com a nova proposta para o artigo 60 das Disposições Transitórias. Posteriormente, o relator, pressionado durante o funcionamento da Comissão Especial dessa PEC, tentou atenuar as coisas, destinando a esse fim e à universalização do ensino fundamental 30%, em lugar dos 50% das verbas vinculadas à educação que a atual Constituição aloca. Como se vê, a prioridade do governo FHC com o ensino fundamental é retórica; na prática ele trabalha para se desobrigar.
A nova redação proposta (e acatada pelo relator) para o artigo 60 acima referido desconstitucionaliza a orientação para a expansão do ensino superior público mediante a descentralização das universidades para as cidades de maior densidade populacional. Com isso, o objetivo de abrir caminho para a privatização do ensino superior público fica claro, sob o pretexto de priorizar o ensino fundamental.
A PEC em questão parte da premissa de que a causa básica dos nossos vergonhosos indicadores educacionais deriva fundamentalmente de má gestão. Segundo esse ponto de vista, "o Brasil não gasta pouco em educação, gasta mal".
A nosso ver, o governo teima em dar as costas para nossa realidade e visivelmente faz vistas grossas para o fato de que nossos gastos públicos totais não chegam aos 4% do PIB e o Brasil está classificado em 80º lugar nos levantamentos estatísticos da Unesco, se tomarmos em conta os dispêndios públicos com educação. Está atrás de países latino-americanos, como a Venezuela, ou africanos, como o Quênia.
Ora, não se pode desconhecer que existem graves desperdícios, desvio de verba e mesmo sérias irracionalidades na aplicação e na gestão das verbas públicas e que urge enfrentar tais ocorrências. Mas a discussão do lugar da educação e dos deveres do Estado para com ela deve decorrer da definição do projeto de nação que queremos construir.
Se quisermos construir um país que se insira no mundo de uma forma não-subalterna, os governantes precisam tornar realidade orçamentária a prioridade nacional que, quando candidatos, juram defender e a sociedade reclama para a educação das crianças e jovens. Precisamos investir algo como 10% do PIB para arrancar do atual patamar. O que demanda, como um fator decisivo, a implementação de uma reforma tributária e fiscal que faça justiça, aumente substancialmente a arrecadação e inverta o sentido regressivo que historicamente caracteriza a tributação em nosso país.

Ivan Valente, 49, é deputado federal pelo PT de São Paulo.
Esther Pillar Grossi, 60, é deputada federal pelo PT do Rio Grande do Sul.
Pedro Wilson, 54, é deputado federal pelo PT de Goiás.

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