São Paulo, sexta-feira, 31 de maio de 1996
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Décio Pignatari cria 'Artejá'

MARCELO REZENDE
DA REDAÇÃO

Há poucos meses o professor e poeta concreto Décio Pignatari, 68, entrou em uma sala de hospital para o tratamento do que pensou ser "uma bolha assassina" em seu corpo. Um incômodo aneurisma da aorta abdominal.
A operação, no mais raso clichê médico, parece ter sido um sucesso. E Pignatari pôde retomar seus projetos: uma coletânea de poemas traduzidos (nas livrarias no próximo dia 15, editora Companhia das Letras), os versos da obra "Máima", a ópera "Issa", litografias feitas com artista plástico Fiaminghi e, por fim, a peça "A Morte de Marcial".
Pignatari passa pelo que chama de reencontro com o tao. De seu pequeno sítio, em uma cidade do interior de São Paulo, prepara, finaliza e retoca os trabalhos que ajudarão a compor sua grande ambição: um romance.
Seu novo momento se traduz em uma aproximação da poesia oriental, o desejo de pensar a cultura brasileira "na era pós-nacionalista", o olhar dirigido à "vanguarda dos jovens e seus computadores" e um certo cansaço em defender o movimento da poesia concreta, que, ao completar agora 40 anos, ainda transforma em alvos culturais seus protagonistas.
"Estou muito marcado pelo aqui e agora da coisa. Ou é ou não é. Como o vagalume que acende e apaga. É o aqui e agora do que você faz. E eu dei um nome a isso. Uma espécie de 'Artejá' ou 'Járte'. Entrei mais fundo no universo budista e zen. Meu trabalho vai de uma zen-miótica a uma taodução", brinca Pignatari, em um tipo de jogo de palavras que sempre serviu de munição para detratores.
Seu livro de traduções- ou transcriações- trará 214 poemas de 31 autores ("uma coleção do que eu mais gostei na vida"), que vão da grega Safo ao francês Apollinaire. Os poetas latinos são sua maior paixão. E o japonês Issa (1763-1827), personagem de sua ópera em dez partes ("é ópera mesmo, no sentido estrito da palavra"), feita em parceria com o músico Gilberto Mendes, que poderá ser montada este ano em Santos.
Issa parece ser uma constante na trajetória de Pignatari: "Issa é um poeta que eu persigo há muito tempo. Em 25 anos eu só traduzi um haicai dele. E do inglês. O libreto da ópera é a vida desse poeta. Inicialmente eu queria fazer o Brás Cubas, mas não consegui fazer. Não acontecia nada de interessante e larguei mão. Depois, mergulhado no Issa, a ópera saiu".
Esse mestre dos haicais -os poemas curtos e contidos do Japão- está ainda nos trabalhos com Fiaminghi: "Litografias mesmo, em pedra. Ele fez. Eu dei o tema. O Fiaminghi é um dos poucos que trabalham na pedra. Só uma delas tem um poema que eu adaptei do Issa, e ele fez questão que eu assinasse junto. Essa é a primeira vez que assino uma obra de arte. Eu, como pintor, sou amador de vanguarda".
Issa se retira e dá lugar ao corpo de uma mulher em "Máima", o longo poema -que mistura línguas e mídias, pois os versos são trabalhados visualmente- dedicado a dança: "'Máima' está pronto. É o nome de uma garota que eu vi dançar faz coisa de dois anos. Vendo, me veio, e eu gosto tanto de dança. Demais. Era uma festa, uma festa familiar. Fui tomado pela graça da menina".

LEIA MAIS sobre Pignatari à pág.4-3

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