São Paulo, domingo, 2 de junho de 1996
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Ataque e reação

JANIO DE FREITAS

O episódio que contrapôs um ataque de Arnaldo Jabor ao Congresso, pela TV Globo, e a reação dos parlamentares, com ameaças aos jornalistas em geral, é exemplar do "non-sense" em vigor. Disputa essa qualidade com a entrevista de Fernando Henrique em Paris, iniciada por uma advertência: "Façam perguntas honestas". Mas as respostas, que, elas sim, poderiam ser honestas ou não, ficaram dispensadas de seguir a advertência, construindo-se com chutes monumentais.
O ataque de Jabor, segundo o qual "a política vai mostrar que o Congresso também é mercado", partiu da intenção de caracterizar como fisiológicos e recebedores de "malas de grana" três dezenas de deputados do PSDB, PFL, PMDB, PPB e PTB. Embora integrantes de partidos do governo, os parlamentares foram acusados por Jabor de "criar um novo Centrão" para faturarem com "venda de votos em troca de cargos" e outros negócios corruptos.
Havia acontecido que jornalistas de chapa-oficial (praticantes de uma forma de fisiologismo) quiseram desmoralizar o grupo de parlamentares dando-lhe o apelido de Centrão. E desmoralizá-lo porque reuniu, com propósito de ação mais organizada, parlamentares que não se dispõem a seguir, nas votações, qualquer ordem governo. Não se venderam e, apesar de serem dos partidos governistas, não admitem votar contra sua consciência. São aqueles a quem o pessoal do Planalto ameaçou "deixar na geladeira".
Ou porque os parlamentares do já chamado "Grupo Consciência" não se põem ao serviço incondicional de Fernando Henrique, o que é imperdoável para os fernandistas apaixonados; ou porque desinformado, talvez orientando-se por uma colega sua que publicou o surgimento do grupo como reprodução moral do Centrão, o fato é que o ataque de Jabor não fazia o menor sentido.
Logo, não podia fazer sentido também, e não só por isso, a reação dos parlamentares, expressa, sobretudo, pelo presidente da Câmara, Luís Eduardo Magalhães. Bastaria ter mostrado o contra-senso do ataque. Dar-se por ofendidos e partirem para ameaças de uma Lei de Imprensa durona, como se a atual não o fosse, ignora duas coisas.
Primeiro, que reação assim não é suficiente para negar a existência do fisiologismo. Não o referido por Jabor, mas o que tem construído as maiorias que fazem as vitórias do governo. E cuja existência não precisa ser apontada pelo jornalismo, porque está atestada pela própria Presidência da República, na pessoa do seu porta-voz. Entre as reações iradas da Presidência à derrota no projeto da Previdência, o embaixador Sergio Amaral deu, de público, o aviso de que o governo não mais adquiriria votos com favores.
A segunda observação dispensada pelos parlamentares diz respeito, não a eles, mas ao que é divulgado em meios de comunicação. Autores, muitos deles, de artigos frequentes e até com periodicidade regular, nem por isso são jornalistas ou estão fazendo jornalismo, ainda que remunerados pela colaboração. Essas colaborações não têm compromisso com a busca e divulgação de informações segundo conceitos técnicos e sociais, nem com o desenvolvimento correlato de dissecações, avaliações e interpretações condicionadas aos princípios fundadores do jornalismo. São que o autor quiser que sejam, e pronto.
Nos assuntos políticos, as manifestações de mera opinião pessoal não são jornalismo. Nele, a opinião se faz acompanhar da exposição dos fatos que a fundamentem e justifiquem. Sem isso, a opinião não é jornalismo. É atividade política, e só como tal deve ser vista. Valha-se da impressão, da TV ou do rádio. Se esta atividade política for considerada quando se pense em Lei de Imprensa, trate-se de pensar na atual ou em nova, a distorção de origem só poderá levar a conclusões erradas.
A vocação fernandista para o insulto ao discordante já está bem conhecida. No momento, não custa nada ser compreensível com a exasperação do fernandismo apaixonado, abalado pelos incessantes e crescentes desgastes do seu guru. Não é caso de aborrecimento por isso.
Mas a direita envergonhada é muito engraçada, nos acessos que fazem sua alma fascistóide escapar pelas rachaduras da máscara de democrata.

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