São Paulo, domingo, 2 de junho de 1996
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O consumismo é uma josta?

GILBERTO DIMENSTEIN

Com dicas sobre como viver melhor com menos dinheiro, um livro dá sugestão inédita: os leitores não deveriam comprá-lo.
A publicidade aconselha os interessados a consultar o livro na biblioteca pública. Assim já estariam economizando.
Para alegria dos autores, pelo menos essa sugestão foi solenemente ignorada. O livro virou sucesso comercial e enriqueceu Joe Dominguez e Vicki Robins. Ambos, certamente, passaram a viver melhor com mais dinheiro.
"Sua Vida ou Seu Dinheiro" vendeu em poucos meses 350 mil cópias, reforçando a moda da "simplicidade voluntária" que se espalha pelos EUA.
Empresas de pesquisa farejadoras de novas tendências apostam que a "simplicidade voluntária" não é moda passageira, vai crescer e envolve bilhões de dólares. "É uma das dez tendências mais importantes dos americanos", afirma Gerald Celente, do Trends Research Institute, um dos mais prestigiados centros de pesquisa de comportamento nos Estados Unidos.
Eles detectam que, na terra da competitividade, cresce o número de pessoas dispostas a uma vida mais simples, sem tanto consumo, com mais tempo para os amigos, família e lazer -mesmo que a opção signifique empregos mais mal remunerados.
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Os números dessa tendência são impressionantes. Uma investigação do Merck Family Fund constatou: nos últimos anos, 28% dos adultos já optaram por ganhar menos, com menos pressão.
"Simplicidade voluntária" não significa viver mal nem passar necessidade; significa viver com o essencial.
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Sobram indicações de que a tendência tem mesmo muito espaço para prosperar.
Há um medo generalizado dos efeitos do estresse; culpa dos pais por não cuidarem mais dos filhos; e, mais importante, 82% dos americanos admitem consumir mais do que, de fato, precisam.
A obesidade é um dos principais problemas de saúde pública no país, atingindo 40 milhões de pessoas.
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Só o lixo produzido anualmente nos EUA, se colocado em caminhões com capacidade para transportar dez toneladas, cobriria metade da distância até a Lua.
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Estimuladas pela onda da frugalidade, prosperam publicações com dicas sobre medicina preventiva; como economizar energia, contas telefônicas, reciclar alimentos, reaproveitar roupas, usar a informática para reduzir gastos com transporte, compra de jornais, revistas e livros.
Pela Internet, a rede mundial de computadores, especialistas em "simplicidade voluntária" dão lições on-line. De graça, óbvio.
Idéia lançada: uma bolsa de trocas de CDs pelo computador para evitar compras desnecessárias.
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Uma das dicas para economizar: reduzir ao mínimo o número de cartões de crédito, considerados um apelo ao consumo.
Um americano de classe média tem, em geral, dez cartões de crédito e deve, por mês, US$ 2.000.
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A tendência à economia não interessa apenas à classe média brasileira, mas, em particular, às comunidades pobres.
A ampliação da idéia da biblioteca pública é um exemplo.
Haveria espaços, mantidos pela comunidade, não só para emprestar livros, mas outros produtos culturais. Um deles, já em funcionamento, é uma "biblioteca de ferramentas" em Tacoma Park, no Estado de Maryland. Emprestam ferramentas como se fossem livros.
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A "simplicidade voluntária" dá ainda mais força a uma tendência na educação americana: os filhos não vão à escola, estudam em casa, ajudados pelos pais. É o chamado "home schooling", a respeito do qual tenho dúvidas e desconfianças.
Os defensores do "home schooling" não gostam das escolas públicas, não querem torrar dinheiro em escola privada. Têm um bom argumento.
Quando submetidos aos testes, os estudantes de casa conseguem notas acima da média dos das escolas. E entram nas melhores faculdades.
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O problema no Brasil é que as pessoas dificilmente conseguiriam ganhar menos sem afetar o essencial. Mesmo a classe média, obrigada a pagar escola privada e convênio médico, já vive no limite. Se ganhar um pouco mais tem de ralar para ter aposentadoria complementar.
Saiu nos EUA a média de rendimentos de casais acima de 65 anos. Eles ganham, por mês, US$ 2.500, a imensa maioria tem casa própria, não gastam um centavo com remédios, médicos e hospital.
O rendimento médio dos casais aposentados no Brasil só tem uma pequena diferença em relação ao dos americanos: um zero a menos.
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PS - Espero que a moda do consumo essencial pegue aqui em casa. Vou dar o livro de presente para minha mulher. Desconfio, entretanto, que vai ser mais uma compra supérflua.
Por falar em consumo, a Pepsi lançou recentemente nos Estados Unidos um guaraná com o inusitado nome de Josta. Aproveitando a imagem sensual do Brasil, a propaganda do novo produto insinua que o refrigerante tem efeitos afrodisíacos.
Se o Josta pegar no mercado americano, sugiro à Coca-Cola que lance um refrigerante à base de maracujá, com poderes calmantes: o Lerda.

E-mail GDimen@aol.com
Fax (001-212) 873-1045

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