São Paulo, domingo, 2 de junho de 1996
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"eu sobrevivi"

INGRID RANDOJA

Dá medo pensar em como Uma Thurman será aos 40 anos. Ela acaba de completar 26 e já tem a impressionante marca de 16 filmes no currículo. Sua performance como atriz está melhorando, mas o que esperar de uma mulher que começou a atuar aos 16 anos -e quase sempre como objeto de desejo?
Em Toronto, Canadá, Thurman tirou um tempinho para conversar sobre seus filmes, sua elevação ao superestrelato e o preço que se paga por querer atuar. No que pareceu a entrevista do fim-do-primei- ro-ato-de-sua-carreira, Thurman mostrou por que é considerada uma das atrizes mais inteligentes, francas e requisitadas de Hollywood.

Depois de "Pulp Fiction" você procurou papéis mais leves? É verdade. Eu sempre quis fazer coisas mais engraçadas, exercitar essa parte. "A Month By the Lake" foi meu último papel ingênuo. Depois de nove anos de trabalho, você deve ver os papéis com outros olhos. Como avalia os roteiros? Primeiro, presto atenção à qualidade. Então, às pessoas envolvidas. Mas o importante é que o roteiro encha a imaginação de adrenalina. Você só aceita projetos de que gosta? Bom, já aceitei papéis em que o roteiro não tinha o que eu precisava, mas como na época estava faminta por trabalhar, não notei. Olhando para a biografia que o estúdio me forneceu, vejo que "Até as Vaqueiras Ficam Tristes" foi omitido. Não pedi a eles que fizessem isso. É a minha panorâmica mais famosa. Se você aprende com seus erros, o que sai de uma derrota como aquela? Sabe, eu fiquei triste depois de ver o filme. Eu amava o que estava escondido mas era impossível de ser escancarado à audiência. O que aconteceu nas filmagens? Eu reclamava o tempo todo. Foi difícil porque era um filme de autor e Gus (Van Sant) até hoje não pensa assim. Ele o adora, chorou quando assistiu. Ele achava que tudo caminhava perfeitamente durante a rodagem, eu não. Em "Pulp Fiction" estava tudo certo? Hummm, é. Você sabe quem o Quentin (Tarantino) é, e ele precisa se divertir com o que faz. Ele é muito direto: escreveu a coisa, a conhece e não vai deixá-la cair. Como você soube da indicação ao Oscar de melhor atriz coadjuvante? Meu assistente me telefonou, eu fiquei surpresa e voltei para a cama. Quando você resolveu ser atriz? Bom, eu sempre fui atriz. Fazia peças e representava quando era criança. Isso me atraía. É o que eu gosto mais do que tudo. Você trabalhou em outras coisas? Não. Quer dizer, quando mudei para Nova York para aprender a atuar, trabalhei como modelo. Parei quando consegui entrar no elenco de um filme. Não era uma carreira, só um meio para um garota de 15 anos pagar aluguel em Nova York. Recentemente, você recusou ser porta-voz da Estée Lauder. Por quê? É, eu não quero fazer isso agora. Talvez, se eu quisesse me aposentar, o fizesse. Mas não sou vendedora de maquiagem, e não importa quanto dinheiro eles vão pôr na mesa. Quando você olha para trás, para aquele período, o lançamento de Uma, com todas as capas de revista... Você acha que foi bom ou ruim? Não acho nada. Naquela época, pensava que era algo horrível porque não tinha percebido o que estava acontecendo. Eu não sabia como a sociedade recriminava e agia de modo estranho em relação às mulheres. Não tinha tomado na cara o nível de discriminação contra mulheres jovens e atraentes. Eu sei que parece estúpido, mas é verdade. Você é desacreditada como ser humano e invalidada como atriz, artista ou pessoa criativa só porque você é quem é. Foi fascinante. Eu não tinha neuroses e não sabia que uma mulher precisava se proteger. Que inferno, talvez eu fosse uma qualquer e merecesse aquilo (risos). Você tem 17 anos e é incrivelmente sortuda. Cineastas te contratam e te mostram como funciona o cinema. Pelo menos, eu sobrevivi e tomei minha decisão. Decidi não entrar nessa. E você não pode imaginar o que aconteceu comigo. Fiquei sem nada até conseguir me recompor. O que você quer dizer? Quero dizer que refiz minha carreira. Recusei todos os papéis sexys e atraentes que caíram na minha mão, e não me ofereciam nada além disso. Se você recusa muitas coisas, ninguém mais quer te contratar. Você não é interessante e você não é comercial porque você não está aceitando a única coisa que você tem e não a transforma em um sucesso de bilheteria. Eles não querem nem saber se você tem algo mais a oferecer. Não é que eu tenha me refeito pessoalmente, eu simplesmente não segui o caminho dourado que tinha pela frente porque queria um outro. Que levasse a "Pulp Fiction"? Eu não estava procurando "Pulp Fiction", eu só estava esperando a chance de representar um personagem depois do outro. Eu só queria ser empregável, estável, confiável e estar aprendendo. Muito simples. Conseguir superar aquela fase deve ter te mudado e te influenciado, não? Influenciou o meu caráter, que vai me sustentar pelo resto da vida. Mas o crédito não vai só para aquela época. Acho que meus pais têm uma fatia maior disso. Foi um desafio. É como escalar uma montanha e ter que descê-la esquiando sem saber como. Mas você sabe que aquele é o único modo para descer. Isso te fez uma atriz melhor? Acho que me transformei em uma atriz melhor do que era. Não acho que esteja totalmente pronta e espero que nunca esteja.

Por Ingrid Randoja, da International Feature Agency Tradução: Ana Ban

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