São Paulo, sexta-feira, 7 de junho de 1996
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A MPB às vésperas do "boom"

LUÍS NASSIF
A MPB ÀS VÉSPERAS DO "BOOM"

Um dos aspectos mais interessantes da vida nacional é a maneira gradativa com que o país vai emergindo da grande crise de identidade que teve início nos anos 80.
Esses processos de mudança são naturalmente lentos. Um novo país vai surgindo, mas pouco perceptível para os que se fixam nos movimentos do dia-a-dia e nos velhos padrões do passado.
É o caso da música popular brasileira. Nas gerações mais velhas, existe uma certa tendência de considerar a MPB como irreversivelmente decadente.
No entanto, com exceção de alguns períodos da história, poucas vezes se juntou espectro qualitativamente tão largo de criadores nas diversas modalidades musicais -conforme revelaram duas importantes iniciativas recentes: o festival Chorando Alto, em São Paulo, e o Projeto Música Instrumental, do Banco do Brasil.
É só conferir:
1) Houve renovação sem precedentes no choro, comparável apenas ao grande salto de Pixinguinha, nos anos 20, e ao movimento do pós-guerra, com Garoto, Radamés Gnattali, Jacob do Bandolim e Severino Araújo, entre outros.
Esse movimento gerou, pelo menos, três gênios imbatíveis: Raphael Rabello, que morreu no ano passado, consagrado como o maior talento da história do violão brasileiro; o bandolinista e guitarrista Armandinho, um gênio inacreditável, de longe o maior instrumentista da atualidade, com agilidade, criatividade e capacidade de improviso superiores (com todo o respeito) às do próprio Jacob do Bandolim (na opinião do maestro Júlio Medaglia, Armandinho é o maior fenômeno musical brasileiro dos últimos 20 anos); e o clarinetista Paulo Sérgio Santos, homem dotado de uma técnica superior (também com todo o respeito) a Abel Ferreira e Luiz Americano, entre outros clássicos.
Tudo isso ao mesmo tempo em que gênios da geração anterior -como Hermeto, Sivuca, Gismonti, o grande Altamiro (de quem Jean-Pierre Rampal dizia: no mundo tem um flautista, Altamiro, e os outros)- continuam em plena atividade.
Sem precedentes
2) No violão (linha cada vez mais importante no segmento da música clássica), o Brasil tem hoje a melhor escola do planeta, superior em quantidade e qualidade à escola espanhola e à inglesa.
Jamais na história do violão brasileiro juntaram-se em uma mesma época tantos talentos.
Os irmãos Assad (Sérgio, Odair e Badi), Marcos Pereira, Ulisses Rocha, Marcelo Khayat, Paulo Bellinati, Maurício Carrilho, entre outros, vieram se somar a clássicos ainda em plena atividade, como Baden Powell, Paulinho Nogueira, Antonio Barbosa Lima e Turíbio Santos.
3) A música vocal ficou restrita durante décadas aos talentos do MPB-4, Demônios da Garoa e Quarteto em Cy.
Hoje em dia, há uma geração surgindo, na qual sobressai a qualidade do Trio Esperança (gravando na França) e do Boca Livre e a explosão de criatividade do Garganta.
Nem o Bando da Lua, nos anos 30, nem os Anjos do Inferno, nos 40, nem os Quatro Ases e um Curinga, nos 50, nem mesmo os Cariocas, nos anos 60, lograram alcançar a complexidade harmônica, a riqueza de detalhes e o bom gosto do Garganta. Um clássico!
4) No campo da MPB propriamente dita, talentos que já existiam, mas andavam escondidos por aí, começam a ser descobertos -como o paraibano Chico César.
Isso enquanto os superstars -como Caetano, Gil, Chico, Ivan Lins, Djavan, João Bosco e Milton Nascimento- estão no auge de sua força criativa.
5) No rock, depois da padronização cacete dos anos 80, surge uma geração pauleira criativa, incorporando elementos de folclore ao som internacional, como o Skank, de Minas, e os Raimundos. Sem contar a riqueza rítmica incomparável da jovem música baiana.
Competitividade
Olhando-se o panorama musical como uma linha de produção percebe-se que não existe setor na economia brasileira tão competitivo internacionalmente e com tal variedade de produtos.
É questão de tempo para que seja descoberto pelo capital financeiro.
No momento, esse dinheiro vai para setores tradicionais da economia, nos quais as variáveis são conhecidas, minimizando riscos. Gradativamente, deverá se dirigir para as indústrias cultural e do entretenimento.
Para tornar-se setor econômico relevante, no entanto, faltam ainda pontos a serem amadurecidos:
1) Com exceções, a produção cultural ainda é basicamente amadora e com visão provinciana. É preciso emergir uma geração de produtores com visão mais apurada de produto cultural e com experiência internacional.
2) A indústria fonográfica é pouco ousada. Vive de modismos ou medalhões, tendo receio de investir no novo.
3) Não há, da parte da mídia, um acompanhamento à altura da importância cultural da música popular brasileira. Essa timidez dificulta a identificação de novos talentos.
4) O direito autoral ainda é uma atividade amadora e pouco respeitada no país.

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