São Paulo, sexta-feira, 7 de junho de 1996
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'Dollhouse' é retrato da adolescência

Filme mostra que 'dói crescer'

ADRIANE GRAU
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM SAN FRANCISCO

Nada parece explicar melhor o filme de Todd Solondz que a figura dele mesmo. Assim como a adolescente Dawn Wiener, personagem principal de "Welcome to the Dollhouse", o filme que escreveu e dirigiu, ele viveu o inferno em forma de uma adolescência precoce ao crescer num subúrbio de Nova Jersey (EUA).
"Aos onze anos, eu estava no auge do meu poder de criação, escrevendo histórias e roteiros", apresenta-se ele. "Aos doze eu já não escrevia nem lia mais nada, apenas riscava os dias que me restavam na folhinha", completa. "Eu estava interessado apenas em minha sobrevivência".
Quando se olha para a figura franzina, camisa xadrez e óculos de grossa resina preta, é fácil entender do que ele está falando do alto de seus sofridos 36 anos de idade.
Para conquistar o Grande Prêmio do Júri no Sundance Film Festival e o Prêmio do Júri do Internacional Confederation of Art Cinemas do Festival de Berlim deste ano, ele apenas teve a coragem de mostrar na tela como "dói crescer", principalmente quando se é "diferente".
*
Folha - A personagem principal do filme, Dawn Wiener, interpretada por Heather Matarazzo, parece refletir bastante a sua personalidade. Por que não é um garoto?
Todd Solondz - Bem, meninas amadurecem mais rápido que garotos. Além disso, achei que um filme com uma menina protagonista teria mais chances de ser bem sucedido. Mas evitei ao máximo detalhes engraçadinhos, para que assim os sonhos de Dawn fossem levados mais a sério.
Folha - Com que idade você começou a pensar neste roteiro?
Solondz - Acho que sempre esteve na minha cabeça, mas o escrevi há sete anos. Demorei seis semanas para pôr tudo no papel.
Folha - Será que as crianças percebem e entendem os conflitos da história e os personagens do seu filme?
Solondz - Depois que escrevi, tive medo que os diálogos pudessem parecer filtrados por um adulto. Mas durante os testes para escolha dos atores, percebi que eram plausíveis naquelas vozes.
Folha - Incomoda saber que o filme foi classificado como "R" nos cinemas norte-americanos e por isso menores de 14 anos precisam da companhia dos pais para assisti-lo?
Solondz - É difícil entender a tal classificação, já que não há cenas de sexo ou violência. Desse jeito, as escolas não poderão levar os alunos para assistir e provavelmente eles não vão querer ir com os pais também. Mas acredito que vão dar um jeito de entrar desacompanhados, principalmente depois que apareceu na MTV.
Folha - A que você atribui o sucesso dessa história?
Solondz - Há um sentimento universal no filme e acho que isto é o que acaba por atrair o público. Muitos norte-americanos cresceram nos subúrbios e entendem como a sociedade funciona em tais locais.
Folha - Foi isso que o motivou a fazê-lo?
Solondz - O que me motivou a fazer o filme foi achar-me triste e engraçado ao mesmo tempo. Achei que eu não era o único.
Folha - Então é um projeto para grandes platéias?
Solondz - Não exatamente. Há um ano atrás eu era o mais pessimista. Um filme sem sexo ou violência não tem nada de bacana para o grande público...
Folha - Quem o assiste, então?
Solondz - Nunca soube e continuo sem saber.
Folha - Mas afinal, há alguma chance de escapar do inferno da adolescência?
Solondz - Sim. As crianças têm que acreditar que há melhores possibilidades pela frente. Ninguém está sozinho.
Folha - E você? Já se recuperou da adolescência? Seus amigos daquela época reconhecem o seu sucesso?
Solondz - Não tenho contato com nenhum amigo dos tempos de escola, mas também não guardo mágoa de ninguém. Não se pode ser duro com crianças. Elas só mostram o que aprendem em casa e alguns pais não estão fazendo um bom trabalho.

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