São Paulo, sexta-feira, 7 de junho de 1996
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'Frida' conta mais uma história de amor

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

É uma boa história de amor, entre um certo estereótipo de artista latino-americano engajado, no caso desenhado sobre o pintor mexicano Diego Rivera, e a figura prepotente, apaixonante, trágica de uma mulher como a também pintora Frida Kahlo.
Uma peça bem realizada, com intérpretes relativamente seguros e momentos que ameaçam transcendência. Ameaça que não chega a ganhar forma. "Frida", no Sesc Anchieta, é uma peça de encomenda. Foi sugerida ao autor argentino Ricardo Halac pela própria intérprete e produtora Mika Lins.
Por conta dos interesses geracionais de Halac, transparece, como ele próprio escreve no programa, a "crônica de uma utopia", com atenção para as preocupações políticas dos dois pintores.
Mas o que era sonho socialista ressurge, estranhamente, como ideal de integração em blocos, um eco da globalização -o que é mais esquisito ainda, quando aparece sobreposto ao discurso internacionalista de Trótski.
Produção brasileira, texto argentino, tema mexicano. Estranha integração neoliberal, com todas as bandeiras vermelhas e menções aos ídolos e às palavras de ordem de meio século atrás, soviéticas.
Em minutos de apresentação fica evidente que, nem a política, nem a doença, sendo a última talvez o que existe de mais marcante na obra da pintora mexicana, protagonizam "Frida". Resta o romance, a história de amor, a paixão.
Romance que não poderia ser mais clichê, com o triângulo amoroso entre um másculo pintor socialista, uma pintora feiosa carregada de ciúmes e uma bela, vaidosa e cruel atriz de cinema.
Clichê, mas o melodrama romântico não vive de outra coisa. Sonhada e viabilizada por uma atriz, a peça escorre paixão feminina, jogos de ciúme, dores de amores -mais do que se imaginaria do retrato conhecido da pintora.
Talvez seja uma banalização idólatra, o que vem crescendo diante da memória carismática de Frida Kahlo, aliás, com recente biografia nas livrarias; talvez seja também uma exigência do público, ou o que a produção imagina ser tal demanda; o certo é que "Frida", excessiva que seja, agrada.
Com raros intervalos de humor, todos sustentados por Gabriela Rabello, que interpreta a mãe da pintora, "Frida" é sobretudo um melodrama de entrega e paixão dos protagonistas Mika Lins e, em menor grau, Márcio Tadeu, que faz Diego Rivera. Com as ressalvas, talvez, de que a primeira poderia dosar um pouco o mau humor monocórdio de sua Frida e o segundo, as lágrimas e os berros no final.

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