São Paulo, sábado, 8 de junho de 1996 |
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Em Goiás, 'anjinhos' morrem e não entram nas estatísticas
ELZA PIRES DE CAMPOS
A reportagem da Folha localizou, ao lado da BR-020, Filomena Nascimento e sua filha Raimunda. As duas amassavam barro para fazer adobo (tijolos de argila crua). Moram à beira da estrada e em frente a um dos nove cemitérios clandestinos do município de Somolândia, 8.000 habitantes, a 300 km da capital. Filomena, 59, teve 2 de seus 9 filhos enterrados em um terreno bem ao lado da estrada. Raimunda, 25, enterrou 2 dos 3 filhos no quintal da casa. O sobrevivente tem de ser levado todo mês ao posto de saúde. Cem quilômetros adiante de Somolândia, em Guarani de Goiás, 8.000 habitantes -5.000 na área rural-, há oito cemitérios clandestinos. Em um, a reportagem contou 16 túmulos -11 são de crianças. Dois túmulos, pela identificação feita em um pedaço de madeira, pertencem a "anjinhos", com menos de seis meses. Sem registro Os "anjinhos" são as crianças que nascem e morrem longe dos registros dos cartórios e das estatísticas e povoam os cemitérios clandestinos. A estimativa do Ministério da Saúde é de que hoje morrem 40 crianças por 1.000. Em Guarani de Goiás, no entanto, o cartório registrou apenas dois óbitos de crianças desde 95. A estatística, de Primeiro Mundo, se choca com o mapa do Comunidade Solidária. Guarani está incluído entre os 15 municípios que recebem ajuda social de emergência. O próprio prefeito, Armando de Souza (PRN), explica o motivo: "Temos 50% das famílias em estado de indigência". Com a primeira ajuda financeira do programa, o prefeito comprou três furgões para transportar as crianças da zona rural para a escola. "As crianças morrem e são enterradas por aí. Ninguém pode pagar registro", disse o prefeito, referindo-se ao preço, que varia entre R$ 14 e R$ 18, cobrado pelo cartório para oficializar o nascimento de uma criança. Ana dos Santos, outra moradora da cidade, perdeu 3 dos 12 filhos. Dois morreram há um mês por causa da desnutrição. Também foram enterrados em um dos cemitérios clandestinos. "Não tinha dinheiro nem tempo para o registro do nascimento", afirmou. Atendimento Há dois anos, um médico começou a trabalhar na cidade. Antes, qualquer doente deveria percorrer 49 km para chegar até Posse, a cidade mais próxima. O clínico-geral Jonas Pinheiro Dias, que atende no posto, diz que "não há o menor controle sobre a mortalidade infantil, porque aqui só há registro de criança no tempo das eleições". Texto Anterior: Recursos para saneamento Próximo Texto: Aprovação da CPMF é difícil Índice |
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