São Paulo, domingo, 9 de junho de 1996
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Rumos do sistema financeiro na estabilidade

ANTONIO COSTA

A reforma bancária de 1988, com a criação da figura de bancos múltiplos, permitiu um notável incremento do número de instituições financeiras, sendo que, em meados de 1995, a indústria atingiu a marca de aproximadamente 265 bancos, 17,8 mil agências e 11 mil postos bancários, segundo dados do Banco Central.
Dadas as baixas exigências previstas nas condições de acesso, em termos de capital e outras, uma verdadeira Babilônia de instituições financeiras surgiu oriunda de pequenas distribuidoras e outras empresas de serviços financeiros, de corporações buscando maximizar a taxa de retorno de seus recursos próprios e de pessoas físicas tentando encontrar na atividade bancária uma oportunidade de diversificação e ampliação de sua riqueza.
As condições macroeconômicas no período 1988/94, até o advento do Plano Real, foram extremamente favoráveis à dispersão da atividade, fundamentalmente pelo alto nível de remuneração do "floating" inflacionário, pela arbitragem de recursos externos versus internos, pela rolagem das dívidas do setor público e outras, que definiram uma participação do setor financeiro no PIB, no período, em níveis extraordinariamente elevados, permitindo que a maioria das instituições operasse em níveis de produtividade decrescentes e com bases de capital manifestamente insuficientes para a atividade, dados os padrões mínimos exigidos pelo mercado internacional.
O Plano Real, instituído em julho de 94, marcou o início de um ciclo de estabilidade inflacionária que perdura há dois anos, ancorado na abertura econômica ao exterior e caracterizado por expressiva valorização cambial com forte restrição à expansão monetária, refletida no nível de depósitos compulsórios, e surpreendeu o sistema financeiro, que se encontrava claramente despreparado para enfrentar, em particular, a forte redução dos ganhos provenientes da inflação.
Análise recente baseada numa amostra de 115 bancos brasileiros com dados de balanço de 31 de dezembro de 95 explicita que na média dessa amostra a somatória das despesas administrativas em base anual compromete 137,9% do PLL (Patrimônio Líquido-Ativo Permanente) e 50,3% do próprio PL. Várias instituições comprometem mais de 100% de seu PL em despesas administrativas anualizadas.
A reação imediata ao Plano Real foi uma forte elevação no crédito concedido ao setor privado, particularmente às pessoas físicas, esquecido por anos de superinflação, logo seguido de um festival de inadimplência oriundo da defasagem entre a renda disponível e as enormes taxas de juros praticadas.
Esgotada adicionalmente a capacidade de endividamento dos diferentes componentes do setor público (Estados, municípios) e substancialmente diminuído o "spread" do financiamento da dívida pública mobiliária, os bancos enfrentam neste primeiro semestre de 96 uma enorme perplexidade, associada à percepção de início de uma crise sistêmica.
A atitude recente e firme do Banco Central, criando o Proer e se antecipando a um mal maior, deverá minimizar o problema. A palavra de ordem é repensar as instituições, descobrir sua vocação, reduzir custos, aumentar escala e, em última análise, preparar a instituição para os novos tempos.
No caso brasileiro, três segmentos começam a se esboçar, acompanhando a tendência internacional: o dos grandes bancos de varejo (poucos), o dos bancos superespecializados (predominantemente "investment banks") e o dos bancos especializados por nicho.
Essa tendência definirá uma forte redução no número de instituições, sendo prematuro tentar adivinhar o número final pós-ajuste, já que tal dimensionamento dependerá de diferentes variáveis, particularmente da continuidade do sucesso do programa antiinflacionário.
Os bancos varejistas, em número reduzido, serão um grupo seleto constituído por alguns nacionais já preparados para o processo, poucos estrangeiros claramente varejistas em seus países de origem e os sobreviventes públicos ao processo de privatização.
O segmento superespecializado, fortemente concentrado nos "investment banks", exigirá forte preparo para a crescente internacionalização dos mercados e sucessivos acordos operacionais de distribuição ou estrutura de distribuição própria, e sua atuação se concentrará em operações de tesouraria, mercado de capitais, administração de recursos de terceiros e "Corporate Finance".
Definir o segmento dos bancos especializados por nicho é um pouco mais difícil, já que falta responder se o ajuste do setor financeiro no Brasil se dará por alguma regionalização (como nos EUA) ou por segmentos predefinidos. Assumindo não haver muito espaço para a regionalização, dadas as desigualdades geográficas no país, cada nicho deverá ser criteriosamente escolhido e levar em consideração a vantagem competitiva da instituição neste segmento.
O grande ajuste estrutural a ser feito se concentrará em dois tipos de bancos claramente despreparados para a competição que se aproxima: os bancos estaduais e os bancos nacionais de porte médio. É nestes segmentos que enormes possibilidades de negócios surgirão, tanto no processo de reorganização e privatização no segmento de bancos estaduais, quanto no de fusões e aquisições no segmento de bancos médios.
A experiência recente do Brasil com a abertura econômica ao exterior mostra que as inovações tardam a chegar ao país, mas, quando chegam, vêm numa velocidade enorme, típica de uma sociedade de emigração recente e ideologicamente aberta a mudanças. Com a reestruturação do sistema financeiro, não será substancialmente diferente. É hora de pôr mãos à obra e se ajustar para sobreviver.

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