São Paulo, domingo, 9 de junho de 1996
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Computador faz mágica nas ruas

GILBERTO DIMENSTEIN

Com um leve toque de mão as pessoas evitam o trânsito, correm menos riscos de assalto na rua, economizam dinheiro e, ainda por cima, têm mais tempo para lazer -são exigidos apenas dois dedos. Mágica? Felizmente, não.
Nos últimos sete dias em Istambul, li documentos e ouvi alguns dos mais renomados especialistas do mundo em urbanismo defenderem idéia absolutamente realista: dedos acoplados a um computador reduzem a necessidade de deslocamento tanto para comprar, estudar ou trabalhar.
Realista pelo simples e óbvio motivo de que já é real. Cresce ano a ano o número de pessoas que trabalham em casa, conectadas por computador com sua empresa.
Em Nova York, compra-se pela tela qualquer coisa, de pizza a automóvel, passando até por maconha ou cocaína.
Os ingredientes tecnológicos da cidade do futuro já operam, embora em diferentes graus, tanto em Nova York, Tóquio e Londres como em São Paulo, Salvador ou Rio. Nem vamos longe; basta imaginar como seriam hoje as filas e o congestionamento dentro dos bancos brasileiros sem a informática.
O problema é que a tecnologia está disponível, mas só para poucos. No Brasil, quando falamos em exclusão social, pensamos nos sem-terra, sem-teto -além, dos "sem-emprego" ou "sem-salário".
A cidade do futuro ensina que se forma uma nova categoria de excluídos dos benefícios sociais: os "sem-computador".

Detalhados textos distribuídos em Istambul, durante a reunião da ONU sobre cidades, mostram como as grandes empresas, favorecidas pelos meios de comunicação baratos, descentralizaram suas operações não apenas em cidades pequenas, mas pelos países; nas nações pobres a mão-de-obra é mais barata.
Da mesma forma que as empresas não dependem tanto dos grandes centros, os indivíduos também não.

Ao analisar as cidades de Terceiro Mundo, os urbanistas constatam que a mistura de concentração de renda, baixos salários, desemprego e falta de boas escolas públicas criou guetos das classes média e alta -guetos, muitas vezes, fortificados como shopping centers ou condomínios de luxo.
Justamente esses guetos passariam a ser informatizados, servidos por batalhões de entregadores, que transitam pela cidade suja, pobre, poluída, dominada por mendigos, assaltantes, meninos de rua.

Quem não se contenta em viver em guetos muda-se para cidades menores e tranquilas. Podem se manter conectados aos grandes centros pelas redes de informação.
As cidades virariam, então, cenário daqueles tenebrosos filmes de ficção, ocupadas por hordas de delinquentes e desempregados.

Consenso aqui em Istambul: nem os mais geniais urbanistas nem a mais fantástica das invenções tecnológicas fazem milagres nas cidades. Não é a aglomeração que provoca o caos, mas a pobreza.
O pobre é mais atingido. Mas o rico não vive bem: poucas coisas são piores do que viver com medo, cercado de guardas-costas.

O computador até ajuda -e muito- alguém a ter mais tempo livre e acesso a informação.
Mas com miséria, imaginar salvação na informática é algo como encomendar ao urbanista jardim para embelezar cemitério.

Fui a uma conferência intitulada "Transporte no Século 21". Numa conversa informal, um urbanista europeu me fez uma pergunta absolutamente apropriada: "Quem foram os idiotas que acabaram com os bondes nas cidades brasileiras?".
Permanecessem os bondes, as cidades seriam menos poluídas, mais charmosas, e, acima de tudo, o trânsito mais fácil.

Mais um consenso de Istambul: para melhorar a vida dos cidadãos nos grandes centros, as autoridades devem enfrentar o lobby dos produtores de automóveis e expandir o transporte público.
Se depender da tradição brasileira, com sua reverência às montadoras (e Fernando Henrique Cardoso não fugiu à regra), fecham escolas para transformar em estacionamento.

Duas idéias de extremo bom senso, divulgadas nos debates, para melhorar o trânsito: furgões de luxo, com pouquíssimas paradas, estimulando a classe média a deixar o carro na garagem; cobrar pedágio para veículos particulares circularem em determinados pontos da cidade.

Citada com impressionante frequência nos debates e documentos, Curitiba está para os planejadores urbanos do mundo como a seleção brasileira de futebol aos esportes.
Fortaleza entrou na lista de admirações internacionais, ao ser premiada, no Habitat 2, por ensinar como se melhora uma cidade com baixo custo.

PS - Já sabia que Istambul tinha algumas das mesquitas e palácios mais esplendorosos do mundo.
O que eu não sabia é que eles produziam doces tão deslumbrantes. Um deles, por exemplo, chamado "delícia turca", é feito de finas camadas de algo que lembra nossa maria-mole, contornadas por mel e amêndoas achocolatadas.

E-mail GDimen@aol.com. Fax (001-212) 873-1045

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