São Paulo, segunda-feira, 10 de junho de 1996
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A telenovela acabou?

DA REPORTAGEM LOCAL

A telenovela, um dos produtos da indústria cultural brasileira com maior resposta de mercado, vive um momento paradoxal.
As emissoras continuam investindo maciçamente no gênero, que permanece líder de audiência há duas décadas. Surgem, porém, sinais de desgaste. O mais claro: as histórias estão se repetindo.
Para discutir o assunto, a Folha promove hoje o debate "O Futuro da Telenovela no Brasil". Participam do encontro profissionais de TV e pesquisadores da Universidade de São Paulo (leia texto à direita).
15 títulos por dia
O estrangeiro desavisado que desembarcar no Galeão ou em Cumbica terá a impressão de que tudo corre bem no país das novelas.
Se sintonizar as grandes redes, poderá acompanhar 15 títulos por dia. Encontrará produções que passam em dois horários. E outras que custam R$ 12 milhões -o dobro do que o cineasta Bryan Singer gastou com o filme "Os Suspeitos", recente sucesso de bilheteria nos Estados Unidos.
Caso o estrangeiro espie as planilhas do Ibope, saberá que há pelo menos 25 anos o programa de maior audiência na TV do Brasil é sempre uma novela -geralmente, a que a Globo exibe às 20h30.
Consultando publicitários, terá informações de que, em 1995, a emissora de Roberto Marinho faturou cerca de R$ 1,5 bilhão. Os "folhetins eletrônicos" responderam por algo entre 60% e 70% deste total.
Finalmente, é bem possível que o estrangeiro, antes de viajar, já tenha assistido a alguma novela brasileira. As produções nacionais estão hoje nos cinco continentes.
Internet
"Só os intelectuais dizem que o gênero amarga uma crise. É coisa de gente que não vê televisão. O telespectador pensa diferente. Tanto que as novelas continuam agradando aqui e lá fora", afirma Silvio de Abreu, 43, autor de "Guerra dos Sexos" (1983) e "A Próxima Vítima" (1995).
Carlos Lombardi, 36, que está escrevendo "Vira Lata" para a Glopo, também não acredita em crise.
"O folhetim é essencialmente paradoxal", argumenta. "Seduz o público pela novidade e pela repetição de idéias já consagradas. Nasceu assim nos jornais, continuou assim no rádio e deverá permanecer assim na televisão, sempre com sucesso. Quem sabe, logo estaremos acompanhando folhetins pela Internet."
Entressafra
Nem todos, porém, acham que aceitação mercadológica é parâmetro suficiente para atestar a saúde das novelas.
Embora não use a palavra "crise", o autor Lauro César Muniz, 58, que estará no debate da Folha, admite "uma certa estagnação" do gênero.
"Atravessamos um período de entressafra", diz. "Ninguém arrisca narrativas novas justamente porque não existe perda significativa de público. Os bons números do Ibope acabam contribuindo para a acomodação dos roteiros."
O pesquisador e consultor da Globo Mauro Alencar, 33, que dá aulas sobre telenovelas na oficina de atores, defende que o gênero já viveu melhores momentos. "Foi nos anos 70. Havia uma efervescência de idéias que resultou em produtos originalíssimos."
Alencar lembra que, naquela época, a Globo estabeleceu um tipo de novela para cada horário. Às 18h, mostrava adaptações literárias. Às 19h, comédias de costume. Às 20h, dramas do cotidiano. E, às 22h, críticas sociais.
"Desde os anos 80, com raras exceções, o que se faz é reciclar as descobertas da década de 70", analisa. Entre as exceções mais recentes, o pesquisador cita "A Próxima Vítima", trama policial que conseguiu manter o suspense até o último capítulo.
Fim do Mundo
Muitos atores de primeiro time já torcem o nariz para as novelas. Embora nem sempre admitam em público, acham os enredos longos e cheios de reviravoltas -o que, por um lado, os impede de tocar projetos paralelos e, por outro, dificulta a construção de personagens "sólidos".
Estão no time dos descontentes estrelas como Maurício Mattar, Guilherme Fontes, Diogo Vilella, José Wilker, Marco Nanini, Cláudia Abreu e Malu Mader.
Há também autores veteranos que andam cansados de escrever roteiros tão extensos. Uma novela de 200 capítulos consome aproximadamente 6.000 páginas de texto datilografado em espaço um. É palavra demais, costumam reclamar figurões do porte de Dias Gomes e Gilberto Braga.
Os dois preferem enredos menores e fechados. Ou melhor, histórias com no máximo 40 capítulos e finais determinados -o que isenta o escritor de promover mudanças bruscas na ação, pressionado pelas oscilações do Ibope.
"A novela está em crise sim", afirma Dias Gomes, 70, autor de "O Fim do Mundo". A Globo exibe a trama de 35 capítulos desde o mês passado na esperança de encontrar novo formato para a faixa das 20h30.
"Todas as manifestações artísticas vêm enfrentando a falta de criatividade. É um fenômeno conjuntural, típico das viradas de século. E as novelas fazem parte deste contexto", conclui o escritor.

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