São Paulo, terça-feira, 11 de junho de 1996
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Dornbullshit: o retorno

LUÍS PAULO ROSENBERG

Poder-se-ia alegar que o cara não tem moral para falar do Brasil. O infeliz jamais pegou na massa no governo ou em empresa; portanto, não entende do mundo real. Ou que, chutado pela mulher brasileira, procura curar a dor-de-corno atacando o governo do qual ela faz parte.
Ou, ainda, martelar sobre suas incoerências, pois enquanto exige aqui desvalorização cambial por 40%, na Argentina recomenda a manutenção da mesma taxa cambial que vigora há mais de cinco anos.
Não adiantaria nada. Servos discutem pessoas, senhores discutem idéias, ensinava-nos o saudoso Melchior. Ao dever de casa, pois, destruindo, com a economia, cada um dos petardos disparados por Dornbusch da Austrália.
Para tanto, comecemos pelas suas teses corretas. Por exemplo, quando afirma que precisamos de reformas estruturais, sem as quais nem a redução continuada do "custo Brasil" nem o reequilíbrio duradouro das finanças públicas virão.
Mas com isso todos concordam. Certamente, FHC está pronto para nomear Rudi embaixador plenipotenciário do Executivo perante o Legislativo para fazer aprovar o conjunto de reformas já enviadas ao Congresso, na forma amena em que se encontra ou radicalizado ao extremo.
Se ele conseguisse convencer Inocêncio, Sarney, Miro, a bancada ruralista, a dos sem-terra e a do Banco do Brasil a votar pelas reformas, empresários, trabalhadores, o Jabor, o Gaspari e o ministério todo estariam aplaudindo Dornbusch e seu poder de persuasão.
Ele erra, e feio, quando postula as seguintes três teses quanto às nossas contas externas:
1. O Brasil encaminha-se para um colapso semelhante ao mexicano.
O que caracterizou o colapso do México foi a sistemática geração de déficits comerciais crescentes, com queda das exportações e crescimento das importações, a exigir financiamento externo em ritmo explosivo, ano após ano.
Ora, no Brasil as exportações estão crescendo 10% neste ano, em comparação ao mesmo período do ano anterior. Registramos neste ano os recordes de exportações de qualquer janeiro, fevereiro, março, abril ou maio de nossa história.
Se as importações -em queda livre desde o ano passado- ficarem, em maio, próximas de US$ 4,2 bilhões, ainda assim estaremos caminhando para um saldo comercial positivo de US$ 2 bilhões a US$ 3 bilhões neste ano.
Somando isso a US$ 7 bilhões de investimentos diretos de multinacionais, teremos que gastar algo como US$ 4 bilhões de nossas reservas de quase US$ 60 bilhões para fechar as nossas contas.
Ou seja, mesmo que não entre um centavo de dinheiro novo, via empréstimos ou destinados às Bolsas, estamos tranquilos. Onde, portanto, a semelhança com México?
2. O atraso cambial é de 30% a 40%.
Esse número, certamente, o professor tirou do ar: nem os inimigos figadais da atual política cambial ousaram balbuciar uma necessidade de desvalorização superior a 20% ou 30%.
Para se falar em "atraso cambial" é necessário, primeiramente, estabelecer o que se espera das contas externas.
Para quem quisesse promover a retomada do crescimento propulsionado pelas exportações, talvez algo como 30% fosse adequado. Mas entenda-se bem: nesse caso, estaríamos optando por trocar estabilidade de preços por crescimento voltado para fora, uma opção rejeitada cabalmente pelas pesquisas de opinião pública.
Alternativamente, que tal crescer com base no consumo interno, mantendo a inflação perto de zero e atribuindo às exportações o papel de gerar os dólares de que precisamos para fechar o balanço de pagamentos sem permitir endividamento externo crescente?
Nessa opção, o câmbio atual está correto e a necessidade de desvalorização é nula, como vimos pelos números do item anterior. Ou seja, a taxa de câmbio é a taxa de câmbio e a sua circunstância.
Se formos reduzir as alíquotas de importação a zero e almejar um crescimento de 7% já -e dane-se a inflação-, devemos exigir desvalorização aos magotes. Se prevalecer o bom senso, como está, a taxa cambial está de bom tamanho.
3. Mesmo uma taxa cambial correta não se sustenta a médio prazo e deve ser desvalorizada.
A base para essa conclusão é simples: dada uma meta de desempenho para exportações, calcula-se a taxa de câmbio real que produz aquele volume de divisas. No tempo, se o custo do empresário subir, a desvalorização cambial deve compensá-lo pela perda de rentabilidade, ou a exportação se inviabilizará.
Daí, contudo, a concluir que o câmbio precisará ser continuamente desvalorizado vai muita distância. Se os ganhos de produtividade internos à empresa forem maiores do que as elevações de custos unitários, não há necessidade de desvalorização.
Quando esses ganhos atingirem o limite do factível, se o governo agir para reduzir os custos tributário, financeiro, indiretos do trabalho, de transportes etc., também será dispensável qualquer desvalorização.
Portanto, a opção por estabilidade de preços, que num país viciado em indexação exige taxa cambial constante, passa por redução de impostos, congelamento de preços públicos, queda de juros e privatização propulsora da modernização da infra-estrutura. E isso temos que fazer já, com ou sem reformas constitucionais, enquanto ladram, em inglês, os curiosos da economia brasileira.

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