São Paulo, terça-feira, 11 de junho de 1996
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Cristiano Mascaro gaba-se de sua própria mesquinhez

ZÉ DE BONI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Há sempre muito a se comentar sobre o trabalho de Cristiano Mascaro, expoente da fotografia brasileira. Na matéria dedicada à sua exposição e ao lançamento do seu novo livro, na Ilustrada do último dia 17 de abril, no entanto, a Folha gastou um precioso espaço, ainda que mínimo, para tratar de futilezas como ampliar as fotos em Paris, comparando o preço de laboratórios de lá com os daqui.
A qualidade e a importância do trabalho de Mascaro transcendem os métodos com que são feitas suas ampliações. Qualquer que seja a marca do papel, o nome do laboratório ou do técnico, o que o público vê são imagens de um autor que comanda o resultado do laboratório com muita propriedade.
Ele sempre teve bons técnicos para cuidar da aparência final de suas fotografias, em São Paulo mesmo. Na FAU-USP, por exemplo, tinha a seu dispor o mestre João Luís Musa e o saudoso Raul Garcez, que processaram algumas de suas melhores obras. Mais tarde, minha equipe teve o prazer de trabalhar vários anos para ele, produzindo grandes exposições.
Não me lembro de ter visto publicado em jornal uma nota, mínima que fosse, dando conta dos responsáveis pela qualidade final das ampliações de Cristiano Mascaro quando elas foram feitas no Brasil.
Agora, quando Mascaro alardeia que fez suas ampliações em Paris, isso soa mais como uma forma de servir um colonialismo que nos quer impor a crença de que o que vem de fora é melhor.
Em matéria de laboratórios, posso garantir que a premissa não é verdadeira: temos vários que fazem os serviços convencionais com padrão que nada deve aos "grandes centros". E uma pesquisa de preços mostrará que, em média, eles não são mais altos aqui.
Particularmente, a área de ampliação preto-e-branco é uma das que mais oferece opções ao fotógrafo exigente. Entretanto, para o formato optado por Mascaro em sua atual exposição, 90 x 90 cm, há várias restrições.
Primeiro, papéis para esse formato devem ser importados especialmente. Depois, em função do mercado restrito, somos carentes em mecanização: cópias grandes preto-e-branco são feitas artesanalmente. Mas fotógrafos exigentes pedem esse serviço artesanal. Eles querem que o dono acompanhe seu trabalho pessoalmente, às vezes tratando-o como um mero laboratorista.
Não é válido especular que o preço em Paris é mais barato porque não é o dono que faz o serviço. Lá, um bom técnico pode ganhar mais que muito dono de laboratório aqui. O preço dos materiais, dos equipamentos e a produtividade, esses sim, fazem a diferença. Ainda assim, é possível fazer um serviço como o do Cristiano aqui, e por um preço equivalente.
Mesmo que encontre um orçamento mais baixo em Paris, o fotógrafo deve computar o custo de acompanhar o trabalho in loco, para que não escape do seu controle ou consuma meses de encomendas internacionais nada baratas.
Uma exposição com 50 imagens grandes não se produz da noite para o dia com qualidade. É um trabalho interpretativo e subjetivo cujo tempo se mede em semanas, se forem atendidas todas as exigências de qualidade.
Há ainda o imposto de importação que incide sobre a entrada no país de ampliações feitas no exterior, o que não poderia ser negligenciado no cálculo de Mascaro.
É verdade que o imposto pode ser driblado, o que não deixa de significar uma forma de sonegação, golpe brutal na sua comunidade. Ainda que o custo compense, somados despesas e impostos devidos, ao preterir trabalhadores da sua própria terra, o fotógrafo contribui diretamente para o desemprego e para o desaparecimento de profissionais especializadíssimos, artesãos da câmara escura cada vez mais raros entre nós.
Não quero sugerir uma reserva de mercado, mas fazer um apelo à sensatez. O fotógrafo também é responsável pelo desenvolvimento e manutenção da qualidade dos laboratórios. Ao adotá-los, ele está cumprindo a função social de viabilizar investimentos no setor. Se pega a moda de desviar os serviços para o exterior, vão desaparecer as estruturas de que se dispõe aqui.
Pode ser uma simples questão de mercado: dentro da globalização neoliberal talvez não compense manter serviços luxuosos e caros. Mas, com certeza, o próprio fotógrafo vai perder com sua mesquinharia. Concluo que é uma grande ignorância essa atitude, mais ainda gabar-se dela.
Quem conhece por dentro da realidade dos laboratoristas sabe como é o seu respeito, empenho e orgulho quando passam por suas mãos trabalhos de grandes vedetes da fotografia. No dia-a-dia, vivem uma tensão constante de tentar atender suas exigências nos contatos, provas e ampliações.
A exposição é a consagração, não só do fotógrafo, como de seus parceiros, e pode representar, em recursos envolvidos, vários meses de serviços costumeiros. Para o laboratorista, como para o laboratório, é a hora de ver premiada essa dedicação. É triste receber como troco o frio tratamento de um oportunismo comercial, e irônico que os próprios fotógrafos não tolerem essa redução: que sejam avaliados com base no preço do serviço, acima da competência e do histórico de sua dedicação.
Portanto, se a verba de que Cristiano Mascaro dispunha não era suficiente para fazer as ampliações de sua exposição com os parceiros habituais, poderia ter a idéia de gastá-la com uma versão um pouco mais modesta em tamanho, mas nem por isso menos brilhante, feita aqui mesmo. Foi infeliz na sua opção e, mais ainda, em dar publicidade a essas questões menores, depreciando seu próprio trabalho. Sua obra está muito acima das discussões profanas sobre a natureza física do suporte fotográfico.

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