São Paulo, quarta-feira, 12 de junho de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Reformas e a 'reforma da saúde'

RICARDO DE MENEZES MACEDO

Dizer que falta ao governo federal uma política social parece um equívoco. É justamente na previdência, no trabalho, na educação e na saúde que este governo revela sua principal ação política: a ausência do Estado, deixando brecha para a atuação complementar da iniciativa privada. A "reforma da saúde", em andamento nos bastidores políticos, fará o mesmo percurso das outras questões sociais, norteada pelo mesmo princípio em que premissas falsas são vendidas como verdades incontestáveis, cristalizadas na mente de um povo que deseja uma salvação.
Por se tratar de lei cravada na Constituição como "direito de todos e um dever do Estado", o Sistema Único de Saúde (SUS) mostra-se como grande entrave às pretensões governistas de ausentar-se do social e beneficiar a área econômica, metas da chamada política neoliberal. E aí aumentam as críticas ao SUS -visto por alguns como natimorto e, por outros, como uma fonte sem fim de corrupção.
Primeiro, por meio do chamado PEC-32 (Projeto de Emenda Constitucional), o governo tentou retirar do texto constitucional a garantia de universalidade e gratuidade, remetendo essa questão para as leis ordinárias. Essa estratégia de privatização de direitos foi, felizmente, abortada na Câmara. Agora prepara-se uma nova estratégia. Alegando que não há recursos para todos, querem restringir o SUS àqueles que ganham entre zero e três salários.
Dessa forma, os cidadãos não agraciados pela miséria poderão depositar nas contas dos chamados "planos de saúde" o dinheiro que não têm para garantir-lhes a saúde que não terão porque não leram as letras miúdas dos contratos recheados de exceções e carências. À promessa de uma saúde com mais recursos para os menos favorecidos restará, em alguns anos, uma saúde pobre para pobres
Sem poder para reivindicar não há controle social. Por outro lado, a resistência da "base governista" em alocar recursos para a saúde -mesmo que temporários e polêmicos, como a CPMF- permitirá ao governo justificar a imposição de reformas que são, de fato, as que lhe interessam. O modelo de saúde que está na Constituição, mesmo contra todas as intencionais ações em contrário, tem dado mostras de eficiência. O Estado que aí está é que se mostra ineficiente para implementar as questões sociais. A questão não é se existe ou não a necessidade de reformas, mas a quem interessam. Essas que estão em andamento, no Brasil, certamente não interessam ao povo.

Texto Anterior: Santas Casas exigem verba
Próximo Texto: Santa Genoveva transfere pacientes
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.