São Paulo, quarta-feira, 12 de junho de 1996
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Sogra mecanizada

GILBERTO DIMENSTEIN

Um ônibus percorreu ontem Istambul, ensinou a melhorar a vida nas cidades com pouco dinheiro e mostrou como as obras públicas no Brasil geram desperdício.
Criado em Curitiba, o ônibus desempenha, em essência, o mesmo papel do metrô; três vagões, sistema rápido de embarque e uma faixa exclusiva. Com um diferença: 99% (repito, 99%) mais barato.
Estação de embarque e ônibus trazidos por avião, a exibição ocorreu nas ruas de Istambul porque dezenas de documentos divulgados no encontro da ONU sobre as cidades recomendam estudar as soluções de Curitiba.
Nossa tradição é de obras suntuosas que, além de vistosas, impressionam o eleitor -e agradam aos empreiteiros.
Desde o início da semana em Istambul, o governador Jaime Lerner, mentor das inovações de Curitiba, vê em São Paulo um mau exemplo. "Estão abrindo avenidas, túneis e viadutos para os carros. Só vai aumentar o congestionamento", critica.
Um viaduto, segundo ele, é a menor distância que leva um carro entre dois congestionamentos.

Em tom de brincadeira, ele diz que o carro é a "sogra mecanizada". Explica: "deve ser tratada com muito respeito, mas com pouco espaço".
Lerner afirma que o papel do prefeito é tirar o carro das ruas e priorizar ao máximo o transporte público -e, aí, vai ter de lidar com lobby dos empreiteiros, a irritação dos motoristas e o descontentamento das montadoras.

O trânsito é o espelho irretocável da cidadania. Uma sociedade desigual, cruel, pouco democrática, tira o espaço dos pedestres e oferece transporte público ruim.
Para completar, os motoristas tornam-se assassinos ambulantes, atropelam, provocam acidentes e não vão para a cadeia. É a reprodução em rodas da impunidade nacional.

Um dos maiores prazeres em Nova York é andar pelas ruas. Além de largas, os motoristas sabem que se atropelarem alguém vão ser infernizados pela Justiça.
Como é uma cidade mais democrática, ninguém tem vergonha de andar a pé. Nem os milionários brasileiros, que não saem de casa sem motorista.

O encontro sobre as cidades produz um excepcional resultado: o maior banco de dados já elaborado sobre boas experiências municipais. Estão à disposição em CDs (vai sair versão em espanhol) e pela internet.
Quanto mais os candidatos a prefeito discutirem essas alternativa, melhor, obviamente, serão as cidades.
Até, agora, o que vejo é um debate indigente, a começar de São Paulo. Por exemplo: acusar José Serra de responsável pelo desemprego é de um primitivismo sem limites.
PS- Por falar em Serra, paulistas que vieram a Istambul trouxeram uma saborosa piada sobre sua notória humildade.
Depois de dissertar duas horas sobre sua vida, Serra disse ao interlocutor: "Essa conversa está ficando muito chata. Cansei, só eu estou falando de mim. Vamos fazer o seguinte: agora quem fala sobre mim é você".

E-mail GDimen@aol.com.
Fax (001-212) 873-1045

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