São Paulo, quinta-feira, 13 de junho de 1996
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Romance de Paiva revê a guerrilha do Vale do Ribeira

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Não És Tu, Brasil", o quarto romance de Marcelo Rubens Paiva, 35, é, indiretamente, um acerto de contas do escritor com a memória de seu pai, o deputado Rubens Paiva, torturado e morto pela repressão política em 1971.
O livro mostra a guerrilha do Vale do Ribeira (1970) do ponto de vista da população da região, onde a família Paiva tinha uma fazenda.
Para o autor, que afirma ter feito um livro isento, algumas pessoas da esquerda vão se sentir incomodadas: "Vai ser duro, para elas, ouvir que ninguém do Vale do Ribeira apoiou a guerrilha".
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Folha - Como foi sua pesquisa para o livro?
Marcelo Paiva - Minha primeira pesquisa, que começou há seis anos, foi no Vale do Ribeira. Falei muito com as pessoas da região. Eu nem ia entrevistar os guerrilheiros, pois queria fazer um livro só do ponto de vista da população local. Mas acabei ouvindo guerrilheiros e militares. Além disso, fiz pesquisa em jornais, em arquivos nos Estados Unidos, em livros.
Folha - Você ouviu Erasmo Dias?
Paiva - Várias vezes, porque ele foi o chefe da operação de combate à guerrilha no Vale do Ribeira. Ele me recebeu superbem, porque meu pai era de Santos, como ele, e porque ele achou que estava na hora de fazer um balanço.
E também porque minha mãe deu um abraço num general no dia que o Fernando Henrique enviou ao Congresso a lei dos desaparecidos, e ele se comoveu com o gesto.
Folha - O reconhecimento oficial dos mortos da repressão teve um efeito importante sobre o livro?
Paiva - Eu estava acabando o livro quando isso aconteceu. No início, eu não pensei que estava escrevendo esse livro para buscar indiretamente a trajetória do meu pai. Mas, à medida que aprofundava a pesquisa, percebi que estava.
Estava ouvindo pessoas que foram presas do mesmo modo que ele, levadas para o mesmo lugar, torturadas pela mesma equipe.
Folha - Por isso você dedicou o livro a seu pai?
Paiva - Sim. Percebi que eu estava enterrando meu pai com esse livro, depois de 25 anos em que evitei me aprofundar no assunto. Eu sempre tinha me recusado, por exemplo, a ler o livro do Amilcar Lobo em que ele descreve a morte do meu pai. Agora eu li. Depois de 25 anos, chorei como uma criança.
Folha - Qual é a importância da guerrilha do Vale do Ribeira?
Paiva - Como movimento militar, foi fútil. Mas sua importância é ter forçado os militares a repensarem o combate à subversão.
Foi depois da guerrilha no Ribeira que o DOI-Codi (Centro de Operações de Defesa Interna) passou a mandar no país. Médici deu carta branca a esses grupos paramilitares, que usavam métodos mais sistemáticos de repressão: a infiltração, a tortura, a escuta telefônica, o "desaparecimento".

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