São Paulo, quinta-feira, 13 de junho de 1996
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Yvonne Bezerra exibe restos da miséria

CRISTINA GRILLO
DA SUCURSAL DO RIO

A artista plástica Yvonne Bezerra de Mello, 49, inaugura amanhã no Rio uma exposição que promete causar polêmica.
Para criar "Maicon - A Trajetória de um Menino Pobre" usou cem gramas de maconha, 1.200 seringas, sacos plásticos com cola de sapateiro e 2.000 pacotes imitando os usados para embalar cocaína.
Como convidado especial para a abertura da exposição, o secretário de Segurança Pública do Rio, general Nilton Cerqueira.
"Sei que posso arrumar confusão, mas quero denunciar a hipocrisia. Todo mundo sabe onde comprar drogas, então por que não mostrar isso ao secretário da Segurança?", pergunta Yvonne.
A exposição tem participação especial do artista Walmir Vale. Morador da favela de Vigário Geral (zona norte da cidade), Vale montou um painel com camisetas ensanguentadas e perfuradas a balas.
As camisetas pertenciam a crianças, moradoras da favela, atingidas durante operações policiais e confrontos de traficantes. O artista recolheu também nas ruas da favela cápsulas de balas deflagradas. Sua instalação se chama "Vielas".
Maicon tinha 14 anos quando morreu em 1995 por causa de uma overdose de benzina injetada em suas veias. A vida do menino de rua inspirou a artista plástica, conhecida por seu trabalho com os menores carentes. Foi para Yvonne que os sobreviventes da chacina da Candelária telefonaram na noite do crime, pedindo ajuda.
Seminário
Além exposição, que será aberta ao público amanhã na Fundição Progresso (centro do Rio), a artista organizou um seminário intitulado "Drogas e Cidadania", para o qual Cerqueira foi convidado.
Também participarão a juíza Denise Frossard -responsável pela condenação dos banqueiros do jogo do bicho-, o juiz Siro Darlan, o deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ) e o músico Lobão.
O trabalho de Yvonne, feito com a ajuda de sua filha, a artista Isabel Lofgren, 21, será montado numa das salas da Fundição Progresso. Logo na entrada da sala estará um muro formado com pacotes imitando os de cocaína.
Um pouco mais adiante um painel mostra um mapa do Brasil recoberto com maconha prensada. Em alguns pontos do mapa -sobre o Estado do Rio principalmente- Yvonne salpicou um pó de gesso branco, como cocaína.
No segundo painel, vários cigarros de maconha representam, de acordo com a artista plástica, a explosão do tráfico na cidade.
"Sei que posso ser enquadrada por tráfico por estar usando maconha, mas a questão é a liberdade de expressão", diz Yvonne.
As cem gramas de maconha estão, de acordo com a artista, inutilizadas para o consumo por uma camada de resina. Mesmo assim, Yvonne pretende reforçar a segurança da sala de exposições.
A artista diz que a droga foi obtida "com as crianças nas ruas, do jeito que todo mundo consegue". Para montar a exposição, Yvonne diz ter gasto R$ 2.000,00.

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