São Paulo, sexta-feira, 14 de junho de 1996
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Para Wilheim, Europa e África têm 'visão atrasada'

MAURICIO STYCER
ENVIADO ESPECIAL A ISTAMBUL

O secretário-geral-adjunto da Habitat 2, o arquiteto e urbanista brasileiro Jorge Wilheim, 68, acha que a conferência foi um sucesso, apesar da "leitura atrasada" que países europeus e africanos fizeram no encontro.
"Ainda acham que tudo o que a ONU faz no fim das contas acaba resultando em pedir dinheiro para os países subdesenvolvidos. É uma visão atrasada", disse à Folha ao fazer um balanço da Habitat 2.
Wilheim avalia que o Brasil defendeu posições progressistas na conferência, mas o país, na sua opinião, ainda não mostrou ter uma política urbana clara.
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Folha - Depois da Habitat 2, a qualidade de vida nas cidades vai melhorar?
Jorge Wilheim - Não há conferência alguma que consiga mudar a qualidade de vida da noite para o dia. Mas eu ousaria dizer que alguma coisa vai melhorar nos países que levarem a sério as decisões.
Folha - O que o sr. acha que deu certo em Istambul?
Wilheim - Quando comecei a trabalhar em Nairóbi, há mais de dois anos, coloquei três coisas como importantes: elevar o eixo da discussão com o objetivo de reconquistar a solidariedade humana, ter como interlocutores importantes as autoridades locais e que as estratégias para as mudanças levassem em conta as parcerias entre setores governamentais e não-governamentais. Os três objetivos emplacaram.
Folha - O papel das autoridades locais talvez tenha sido a mensagem mais forte.
Wilheim - Não acho. As três coisas entraram fortemente. Sei que a solidariedade humana é um problema ético e social, que não se resolve com discursos, mas o apelo feito aqui foi importante. E a palavra parceria entrou para o jargão do politicamente correto na ONU.
Folha - Quais foram as suas maiores frustrações?
Wilheim - Não consegui fazer, por falta de patrocínio, duas coisas paralelas. Queria encerrar a conferência inaugurando um grande jato d'água no Bósforo, que funcionaria diariamente, durante uma hora, para lembrar a conferência. Seria a "fonte da solidariedade". Também queria ter feito um exercício de referendo durante a conferência. Cada uma das 20 mil pessoas presentes receberia um cartão inteligente e todo dia responderia sim ou não a uma pergunta diferente. No cartão estaria escrito "consulte o povo".
Folha - Houve algo na conferência que tenha desagradado o sr.?
Wilheim - Gostaria que a Agenda Habitat tivesse sido um documento mais curto. Mas isso é inevitável. Os textos que saem da ONU são textos aprovados por consenso.
Folha - O sr. não compartilha da frustração daqueles que gostariam que o centro Habitat saísse daqui com mais recursos e poderes?
Wilheim - A dificuldade em obter uma resposta mais generosa por parte do conjunto dos delegados ironicamente é um dos resultados do sucesso da conferência. Enquanto o centro Habitat era insignificante, trabalhava apenas em assistência técnica na África, América Latina e Ásia, não incomodava ninguém. No momento em que esse centro se mostra capaz de organizar uma conferência como esta, aí ele passa a ser respeitado e até visto como concorrente.
Folha - Essa seria a razão de o futuro do centro Habitat ter ficado indefinido nesta conferência?
Wilheim - Isso explica ter surgido uma vertente aqui tentando conter o centro. Outra razão é que nós, da Habitat, encontramos um mecanismo de trazer para dentro da ONU todo um setor social que normalmente está longe: prefeitos, ONGs, cientistas, fundações e o setor privado. Adiar a discussão sobre o futuro do centro interessa a instituições que gostariam de ficar com a herança da Habitat 2.
Folha - Quem está disputando essa herança?
Wilheim - Não sei.
Folha - Só chefes de Estado do Terceiro Mundo vieram à conferência.
Wilheim - Os EUA ajudaram muito a conferência, mas eles têm eleições em outubro e um Congresso que é contra a ONU... Você pode dizer que alguns países europeus não entenderam a importância. Ainda acham que tudo que a ONU faz no fim das contas acaba resultando em pedir dinheiro para os países subdesenvolvidos.
Folha - A maior parte dos países subdesenvolvidos também viu a conferência dessa forma.
Wilheim - É uma leitura atrasada. Em ambos os casos.
Folha - A exposição de Melhores Práticas não atraiu público, cada país expôs o que quis, sem critério. A inflação de melhores práticas não atrapalhou?
Wilheim - A crítica é certa. Houve tamanho interesse dos países em trazer as suas práticas que não pudemos dizer "não". Mas não houve o interesse de público.
Folha - O sr. acha que as posições que o Brasil tomou na conferência refletem os tamanhos dos problemas do país?
Wilheim - (pausa de 15 segundos) Não totalmente. Acho que as posições do Brasil evoluíram, mas a problemática urbana no nosso país ainda não está totalmente equacionada.
Folha - Por exemplo?
Wilheim - A própria consciência do que pode ser uma política urbana ainda é muito incipiente. O Brasil é um país que ainda cria cidades, tem uma fronteira agrícola para abrir e, no fundo, ainda não elaborou nenhum pensamento sobre o que fazer com isso.

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