São Paulo, domingo, 16 de junho de 1996
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'Voltei a trabalhar porque não dá para viver só com benefício'

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Jurandir Lima de Souza, 24, conheceu o inferno no dia 13 de abril de 1993. Pintava uma gaiola de ferro, dessas nas quais cabe um homem dentro, quando uma faísca de solda entrou na sala impregnada de gasolina.
Souza estava dentro da gaiola. Virou uma tocha humana. Teve queimaduras de terceiro grau da cintura para cima. No último mês, voltou a trabalhar após ficar três anos afastado. "Pedi alta porque não conseguia sobreviver com o dinheiro do INSS", conta.
Traduzindo: o benefício do INSS era igual a R$ 113 ao mês. Seu salário agora é de R$ 248.
É com esse dinheiro que ele ajuda a sustentar o pai, desempregado há pouco mais de um ano, e o irmão mais novo. A mãe trabalha numa fábrica de perfume e entra com mais R$ 300.
Não foi só no benefício que o INSS foi avaro com Souza. A própria família, a Prefeitura de Cotia e o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, ao qual é filiado, se cotizaram para comprar os remédios para o tratamento.
"Esse acidente estragou a nossa vida. Tive de vender um barzinho e uma avícola que eu tinha. Gastei mais de R$ 3 mil com essa desgraça", conta o pai, Joaquim.
A desgraça, na verdade, é uma cascata de desgraças. No dia em que Souza se queimou, junto com outros dois metalúrgicos que trabalhavam com ele, nenhum hospital da Grande São Paulo queria interná-los.
O motivo é que o governo paga ao hospital a mesma quantia para quem quebra a perna jogando futebol na esquina e para quem estava descarregando um caminhão de paralelepípedos.
Parece óbvio, não fosse o fato de que o acidentado no trabalho gera uma burocracia de guias e comunicados ao INSS que não existe para o acidentado ordinário.
É por isso que nenhum hospital gosta de atender acidentado de trabalho. Consequência para Souza: depois de receber uns cinco "não" na Grande São Paulo, foi internado como indigente em Curitiba.
Como era indigente para o INSS, e não um acidentado no trabalho, teve de comprar com dinheiro do bolso os remédios que passava durante o ano em que ficou em repouso absoluto.
Quando pôde sair à rua, teve de pedir à Prefeitura de Cotia que lhe comprasse a roupa elástica que reduz as deformações na pele durante a cicatrização.
A volta ao trabalho, segundo Souza, reacendeu um medo que ele imaginava que havia acabado com os pesadelos logo depois do acidente.
"Não queria estar aqui porque fico revivendo tudo e fico cismado que vai acontecer tudo de novo", diz. "Não dá para trabalhar onde aconteceu uma tragédia".
O diretor da Ferame, Lucio Elias Souza Della Libera, 36, diz que só faz um acordo se Souza retirar as duas ações judiciais que move contra a empresa.
Sobre o acidente, afirma que a empresa não teve culpa alguma. Segundo Della Libera, houve acúmulo de gazes porque a Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental) determinou que a pintura fosse feita em um quarto fechado.
"Antes disso, nunca havia acontecido acidentes na nossa firma", conta.

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